O DEMO E O SERTANEJO

Na terra seca o lavrador sertanejo, lamenta os grãos, raízes e espigas outrora plantados, mortos e enegrecidos, culpa aos céus, pela falta de chuva, por seu prejuízo e pela fome de sua família numerosa, tem esposa e seis filhos, o mais velho com treze e o mais novo com apenas quatro anos de idade.

Seis meses sem uma gota de chuva, tendo que viver do apoio dos vizinhos, partilham tudo, alegrias são poucas, privações, perdas familiares, água barrenta de algum poço ainda vivo em alguma lonjura no sertão quente e o pouco mandacaru que ainda resta na região da caatinga. Seu gado não passa de dois pares de vacas magricelas e uma só ainda produz um leite ralo, mas, que salva a alimentação dos mais novinhos, de resto, comem farinha seca com mandacaru e muita fé.

No caso que vou contar José Aparício é o lavrador citado acima, no último mês teve um único dia de uma chuvinha tímida e que durou o dia inteiro, então, antes que o dia entardecesse ele, esposa e filhos plantaram milho e feijão numa correria louca, na esperança de que alguma coisa vingasse naquele solo levemente umedecido. Os dias se passaram, sem mais um só, sinal de chuva e todo o trabalho de esperança se perdeu, José Aparício estava desolado, desesperançado, desiludido e depois de trinta e cinco anos de seca, completamente revoltado, um ódio dentro do peito, num ímpeto impensado vociferou olhando para terra seca

- Se chovesse agora e a terra brotasse farta de alimento, eu entregava a alma ao Demo!

Num arremedo de desespero, caiu prostrado, deitado no chão árido e áspero, chorava suas lágrimas secas copiosamente, sentiu então sua camisa suja e dura começar a ficar molhada, deu um salto e viu que até onde sua vista alcançava tudo começava a verdejar, os pés de milho, a mandioca e o feijão plantado começa a brotar profusamente, além de uns pés de cajueiro, crescendo rápido e já apontando frutos grandes e suculentos. Olhou para suas vacas estavam gordas, fortes e mugindo com felicidade, uns seis porquinhos apareceram à sua direita, bem taludos, isso garantiria carne para a sua família. Um poço artesiano com água cristalina quase o derruba pois apareceu bem atrás de suas costas, José Aparício, gritou pela mulher e pelos filhos, todos riam alto e pulavam dando graças aos céus por aquele milagre majestoso.

No meio de toda essa alegria, surge perto de José Aparício, um senhor de olhos verdes profundos, de cabelos e barbas brancas, muito bem vestido e pergunta se ele está satisfeito com o pedido que fizera, depois do susto, José Aparício, ergue as mãos para o céu e brada

-   Senhor Meu Deus! Não conhecia sua face, muito obrigado por toda essa fartura, estou em   dívida com o Senhor até o final de minha vida!

Ao que o senhor de cabelos e barbas branca responde

- Com certeza José Aparício, mas, eu não sou Deus e a sua paga por essa fartura toda, você irá pagar agora mesmo e não até ao final de sua vida, eu sou Lúcifer O Demo, e você me dará a alma do seu filho mais velho e a do seu filho mais novo, assim sua dívida estará quitada

Aparício, a mulher e os filhos gritavam e pranteavam, se abraçando pedindo socorro ao mesmo Deus que não os atendera por anos a fio, mas, de nada adiantou, Lúcifer olhou para os meninos e eles foram secando, morrendo até virarem pele e ossos secos esparramados no chão agora verde e fértil, assim ocorrido, Lúcifer desapareceu. Maria Helena, esposa de José Aparício, desmaia, seus outros quatro filhos estão de olhos esbugalhados, quase saltando das órbitas, José Aparício fica com o semblante esverdeado e parecendo um doente mental, sem um esboço de som sequer, era como se sua mente tivesse se apagado.

Alguns momentos depois do acontecido, José Aparício desperta daquele torpor, vai acudir à mulher, abraçar os filhos, e choram juntos e agarrados, copiosas lágrimas molhadas, sendo as de José Aparício, molhadas e doloridas, de um arrependimento monstruoso, porquê fora falar uma blasfêmia daquelas, que felicidade teria agora, sem seus filhos amados.

José Aparício e Maria Helena, olhavam os corpos de seus filhos, quase que mumificados, estirados no chão e não sabiam como agir, eram só um grupo de lamentadores, chorosos, com o peito rasgado de dor e sem forças.

Raios e trovões começaram a cair dos céus furiosamente, correram para dentro de casa, deixando os corpos dos filhos sob a chuva carregada, ficaram abraçados lastimando a blasfêmia de José Aparício e rezando para Deus os perdoasse pelo enorme pecado.

Passadas quase doze horas de uma chuva torrencial, viram os corpos de seus filhos se inflando e retornando a vida, tal como estavam antes, bem como, toda a fartura cedida pelo Demo, desaparecer, apenas ficara a terra extremamente molhada, os meninos ressurgidos das trevas correram para dentro de casa, gritando

- Pai, chuva, chuva estamos salvos!

De nada lembravam, sobre o que tinha acontecido, José Aparício e Maria Helena se olhavam aturdidos e sentindo a alma leve, apesar de não possuírem mais a maldita fartura dantes conseguida, a um preço doloroso demais. Seus outros filhos, olhavam para os pais, com caras de sono, como se tivessem despertando naquele momento e correram para fora, gritando

- Pai, choveu, choveu!

Eles também não lembravam de nada, só os pais sabiam o que realmente tinha acontecido, e oravam ardorosamente aos céus, para que esquecessem logo toda aquela desgraça, pela qual, tinham passado.

Como o sertanejo é um forte, foram tentar dormir, logo amanheceria e aproveitando a terra bem molhada, plantariam suas sementes, que desta vez com trabalho e suor e a benção Divina, vingariam, e os manteriam até a próxima estiagem, e assim a vida na caatinga, seguiu seu curso...


 
Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 11 de junho de 2015.
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 11/06/2015
Reeditado em 11/06/2015
Código do texto: T5273928
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