Ômega Parte II

Capítulo II

[Fim da Inocência]

Na saída da casa de detenção juvenil, o mundo parecia um vazio certo. A descoberta de que uma avó da falecida suicida, resolvera adotar Sofia e o pequeno Thomas. Agora a boa anciã, também tivera a coragem de pedir a guarda de Ômega. Chegando em casa, a surpresa daqueles olhos misteriosos diante da casa simples e o abraço acolhedor, daquela velhinha chamada Clarisse, que possuía um corpo frágil, mas conservara um vigor na sua personalidade que transbordava e inundava o ambiente. Dias felizes se anunciam, feito uma aurora que traz o sono após uma noite de insônia. A ansiedade sendo suprida com a chegada de Sofia, o abraço que a memória revivera. Olhavam-se e se diziam tanto sem abrir a boca.

Uma nova fase escolar. Na casa de Clarisse apenas algumas enciclopédias. A biblioteca municipal fornecia material literário. Cada vez mais se envolvia com Sofia e Thomas procurava sua companhia, talvez por ser o único homem na casa, servindo de referência ao pequeno.

Finalmente, em um dia chuvoso que parecia não ter nenhuma surpresa. Que com Clarisse dormindo e Thomas na escola, Sofia e Ômega fizeram amor. Ele já conhecia o sexo, tanto com meninos quanto com meninas. Já sabia o que era masturbação e o desejo fervia com seus hormônios. Mas fazer amor era diferente. Se olhavam e inundavam um do outro. Os beijos eram como pequenos sexos, cada toque era uma emoção e o prazer foi apenas mais uma consequência dessa enxurrada de novidades. A partir dali soube que existia uma grande distância entre suprir uma necessidade do desejo e amar, já que pensara por tanto tempo, apesar de sua pouca idade, que aquela segunda opção não passava de uma empolgação literária de certos autores. A ligação estava cada vez mais forte. Clarisse percebia o aumento do afeto, mas com sua experiência de vida, se fazia de cega ou pouco enxergava quando era conveniente.

As gangues tomavam conta das escolas e o tráfico imperava na região considerada periférica. Amizades da casa de detenção reapareceram, ocorreram cobranças. Era preciso proteger a nova família. Jamais pensara em resgatar o passado. De onde veio era uma pergunta que parecia não mais fazer sentido. Vivia cada momento como se fosse o último, já que percebia que realmente cada um deles era.

O anúncio caiu como uma bomba. Sabendo que Sofia conseguira a oportunidade de morar fora do país, no exterior. Sonho que muitas vezes passou por sua cabeça, mas agora não poderia imaginar que ocorresse com ela e que ficariam separados. Sofia também sentia aquela dor, mesmo realizada. A despedida foi sofrida e dias de lágrimas antecederam e sucederam a partida.

Sentindo-se sozinho, começara a beber com mais frequência. Tomou a liderança de uma gangue e saía pela cidade, pichando muros e discutindo novas formas de dominar aquele território. Fora treinado por um de seus companheiros a utilizar armas de fogo, começando com revólveres e indo para pistolas. Decidiram se envolver no mundo do crime. Mas não desejava atacara pessoas miseráveis e que como eles, viviam penosamente. O objetivo seria ataque aos “verdadeiros inimigos”. Pessoas com destaque, como aquele advogado de porta de cadeia que não se importava com as consequências e sim com o quanto ia lucrar, passaram a ser alvos desse grupo, que ficou conhecido naquele plebe urbana como os Robin Hood's Modernos. A alcunha talvez seja por conta dos capuzes utilizados, embora as máscaras ninjas não sejam um adereço das antigas histórias de arco e flecha, assim como as armas automáticas. A grande ousadia foi quando o grupo de adolescentes decidira atacar uma agência bancária. Conseguiram saber sobre a rotina do local, chegando a frequentar com sua bisavó, que tinha conta naquela agência, para saber sobre o posicionamento das câmeras, números de vigilantes. O que não contavam seria um policial à paisana que estava ali para pagar uma fatura vencida e a rapidez com que as viaturas de apoio chegaram, após um dos comparsas ferir de forma mortal o homem que resolvera reagir. Apenas um membro do grupo conseguiu fugir. Ômega se manteve parado, pronto para ser levado, já que não tinha como objetivo matar uma pessoa inocente, embora não mais acreditasse em inocência.

De volta ao regime fechado, como reincidente. O desgosto que escorriam em lágrimas dos olhos de Clarisse. Novas amizades no cárcere, novas surras. Começara a fazer tatuagens. Admirava a arte e procurava em cada detalhe talhado em sua pele, expressar um pouco de sua história. A dor maior foi com a visita de Sofia, que havia retornado do exterior para visitar a bisavó, cheia de novidades e presentes para todos. A decepção ao encontrar Ômega preso. Ele também percebeu a mudança nela, mais madura e agora menos apaixonada. Com certeza conhecera outra pessoa. Visita curta. Mais uma vez livre, de volta a casa da sempre acolhedora senhora. Thomas ele procurava afastar, já que não se considerava uma ao influência. Consumia maconha, cocaína e álcool. Fumava e soltava grandes baforadas no ar. Fazia sexo e não mais amor. Procurava utilizar preservativo mais para não ter filhos do que por prevenção a doenças. Não deseja ter uma prole nessa vida. Tudo é podre demais e não precisamos de mais porcos nesse chiqueiro. Continuava lendo e agora também treinando artes marciais, com dedicação. A disciplina veio com a luta e deixara de brigar, menosprezando os valentões que espancam pessoas. Indo inclusive defender um garoto que estava sendo espancado por dois adolescentes covardes. Conseguiu se desviar dos golpes do primeiro e quebrar-lhe o nariz. Contra o segundo ocorreu prejuízo, recebendo alguns golpes no abdômen e rosto, mas conseguindo revidar e deixar desacordado o oponente com socos que desfiguraram a face daquele desconhecido.

Assistindo a um programa de TV, que que exibiam uma reportagem contando sobre a vida de freiras, se recordou do orfanato. A imagem que tinha na mente era vaga, aquelas freiras assexuadas com gestos rígidos. Imaginara que um dia também iria para fora do país. Queria ter alguma importância, mas se sentia inútil. Pensou antes de dormir que poderia matar alguém, não sabendo definir ao certo quem. Imaginava como se desfaria das provas, desde impressões digitais até pelos. Que já havia matado o padrasto, que não sentir remorso, talvez por ter sido um filho de uma puta. Mas e se sua natureza fosse ruim? Existiria bem e mal? Porque os perversos continuam vivos e tranquilos? Punição divina é uma ova. A lei do homem é que move o mundo, enquanto ainda existia homem nele. Fechava os olhos e via o sangue escorrer, indo além de deus dedos, pegajoso pelas paredes, afogando tudo e todos. Cada objeto sangrava, ferido de morte por suas mãos assassinas. Se recordara do diálogo com Sofia, na noite em que fizeram amor:

— Eu te amo — ela disse.

— Eu também te amo.

Ela sorriu.

— Sabe? Uma vez li em um livro de um filósofo alemão, Schopenhauer, em que falava sobre uma tal vontade, que seria uma força suprema e o motivo pelo qual as coisas acontecem, desde o início dos tempos, como se todos nós fossemos movidos por isso. Inclusive no amor e que o resto não passa de instinto, coisa de pele.

— E o que você acha disso, Ômega?

— Que eu nunca gostaria de ser escravo de nada. Essa seria a minha única vontade.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 10/06/2015
Código do texto: T5273070
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