Ômega Parte I

Capítulo I

[O Início]

Em um dia nublado de sexta-feira, a tentativa de se lembrar. De que? Um passado esquecido é um arquivo morto. A busca pela identidade perdida. Restam apenas as memórias recentes. O orfanato. A burocracia dizia quando chegou e não quem o deixou. Um perfil que interessava aos chamados 'pais adotivos”. Pele clara e pouca idade. Muito pequeno. Amparado e logo colocado em exposição, pronto para ser levado. O preço foi estipulado. Muito disputado. Ao contrário das diversas crianças em idade mais avançada e pele escura. Levado nos braços de um casal que passaria a ser conhecido. A nova moradia, os votos de extrema felicidade.

Tudo é novo e a necessidade de novidade é satisfeita a cada instante. O casal, com uma filha da mesma idade do garoto órfão, e um bebê. O nome Ômega foi encontrado junto ao recém nascido abandonado, daí a ideia de batizá-lo dessa forma. Freiras que tomavam conta daquele orfanato pesquisaram sobre o nome e consideraram, que apesar da origem grega e de possíveis profanações diante da religiosa da qual faziam parte, deveriam preservar esse único traço de uma memória perdida. O casal havia ficado eufórico. Mas o amor quando não é verdadeiro, pode se revelar fugaz. Um ano foi o prazo para expirar todos aqueles carinhos, trocando os afagos diante do televisor por xingamentos e brutalidades diárias. A mulher bebia bastante e chegava em casa transtornada. Já havia sido mandada embora do supermercado em que trabalhara. O homem também bebia e fumava muito. A casa fedia a cigarro barato. Os tapas viraram surras. Faziam sexo na frente das crianças. Uma séria discussão ocorreu em uma madrugada, já que a esposa havia mais uma vez se envolvido com outro homem fora de casa. O marido a agrediu, deixando-a inconsciente. As cenas se repetiram, até o dia do suicídio.

O pequeno órfão crescia com aquele olhar profundo e o ar tranquilo e silencioso, o que foi um fator imperativo para assegurar a sua adoção, além de certa quantia que fora acertada entre os contratantes. Aprendera a experimentar bebia alcoólica, já que os pais adotivos incentivavam e até forçavam cada um deles a beber pequenas goladas, indo da cerveja ao whisky. A alcoólatra e prostituta, talvez cansada das agressões do companheiro e por conta de sua depressão, acabou cometendo o suicídio, de uma forma não muito convencional, já que depois de trepar, havia se drogado e resolvido lançar-se em direção aos veículos que trafegavam em uma movimentada avenida. O velório foi rápido e o enterro com pouca gente. A guarda das crianças ficou integralmente sob a responsabilidade do viúvo, que agora trazia amantes diversas pra casa. Mas isso não era suficiente. Começara a molestar a sua filha, chegando quase ao ponto de estuprá-la. Fazendo o mesmo com o garoto adotado. Já que caminhavam para a adolescência, começaram a amadurecer precocemente. O próprio bebê começa a sofrer abusos. A reação de Ômega o fez receber uma surra homérica, a ponto de ficar alguns dias sem poder locomover-se.

Ômega lia, tinha interesse por histórias em quadrinhos e depois se aventurava em outros livros. Começou a se envolver com sua irmã de mentirinha. Já se beijavam e reconheciam as genitálias um do outro, na inocência que essa fase permite. Já adolescentes, não se dando conta de quão rápido passaram pelos primeiros anos de suas vidas, decidiu não mais admitir os abusos do padrasto. Aprendera que pai é uma palavra de valor, mas que padrasto pode se tomar como um adjetivo precário. Diante da discussão séria, ainda mais após ter sido também surrado mais uma vez na escola, foi para cima do maldito padrasto com uma faca e a lâmina atravessou o ventre do homem, fazendo com que caísse em seguida desfalecido. Passara dias com a imagem na cabeça das mãos ensanguentadas segurando a faca, além da satisfação de ter matado aquele filho de uma puta. Passou um bom tempo pensando, ao cumprir sua pena em uma espécie de prisão juvenil, também aprendendo a suportar novas surras e ganhando respeito ao demonstrar que sabia se defender dos estupros. Só pensava em como estaria Sofia, a sua irmã de mentirinha. Não recebia visitas e não sabia qual fora o destino dos que habitaram brevemente a sua existência. Fumava com mais desenvoltura e já consumia maconha. A bebia preparada pelos outros internos era ainda mais forte. As conversas de crimes e as surras dos monitores. A vida parecia cercada de podridão, por isso aprendera a se comportar como os porcos e tirar o máximo do seu chiqueiro.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 09/06/2015
Reeditado em 10/06/2015
Código do texto: T5271850
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