Perdidas Despedidas

Quando olhares nos olhos dos teus olhos, talvez consiga enxergar esse nada preso a retina. Na busca por aquilo que se imagina inocente, repleto de vícios que surgem antes mesmo de pensar neles. Qualquer ganância surge de um desejo desejo de posse, atrelado a uma noção de ego. Dançamos conforme uma música, que não sabemos a origem, apesar das pernas marcarem os passos em uma cadência agressiva. Velejamos no oceano calma de mentes vazias, esbarrando de vez em quando em um falsos iceberg. Menosprezo por aquilo que é novidade, já que o mesmo é a paixão verdadeira. Antes de qualquer volume o resto de coisa alguma. Escombros fingidos, prontos para novas solidariedades. Vitrola que toca o disco com a precisão cirúrgica da agulha, que em vez de cortar, atravessa com sua lâmina cegam as trilhas já existentes. Peso leve que desliza como aquela pluma que se desprende de um pássaro qualquer, aliviada do fardo de outrora. Águas mansas e macias, como a mais delicada pele, que se eriça com o mínimo contato, arrepiando a espuma e salpicando gotículas alvas.

Amanheci sozinho, já que dormi da mesma forma. Por mais que tenhamos alguém ao nosso lado, mesmo abraçados, o sono é uma individualidade, preso dentro da mente, trancafiando segredos que as tecnologias mais sofisticadas ainda não conseguiram desvendar. Qual a graça de se ter uma mente revelada? Só falamos do que nos interessa, já que a boca segue a lógica, como todo esse aparato que tentamos doutrinar. Mas nada é lógica. Por isso palavras podem enganar quem as pronuncia. Uma pronúncia e estamos revelados, ou quase. O quase é aquela verdade que opera no limiar da dúvida, decretando o possível na falta do provável. Sol e lua com a Terra no meio. Todo elo é perdido. Abusamos da bússola e não conseguimos nos encontrar. Tantos reflexos. A mamadeira busca substituir o seio, assim como o copo de cerveja, o cigarro aceso, o gelo depois do drink. Copos, corpos. Prometemos não sermos Prometeu. Mas a carne é forte e reclama seus direitos.

Não há como negar que todo caminho é uma vagina. Penetramos e desejamos que dali venha surgir algo novo. Assim acontece. Cada esquina é um parto. Desenhamos um trajeto, com a cartografia que é possível montar, num quebra-cabelas só faz a nossa cabeça quebrar. Rachada a partir de uma queda que tem como conclusão a beirada assassina. Vítima é a quina, pois somos nós caímos sobre ela. Perdemos por questão de densidade de matéria. Perder, ganhar. Talvez para ela fosse interessante se despedaçar, deixar de ser aquele monumento e voltar a ser movimento. Ventos que trazem o pó de nossos ancestrais, chovendo sobre nós os tempos antigos. Se não chove, o passado está ameaçado. O alfabetizado sabe que as letras são hieróglifos. Quebramos o ovo e deixamos escorrer o pinto. Somos todos pintos escorridos. Fogos comemoram a falta de estrelas, com usa luminosidade restrita, de pouca duração. Mas as estrelas não passam de fogos com maior potência, brilhando a longas distâncias e fazendo de cada noite o nosso réveillon. Por isso fixamos os olhos, vivenciando a emoção de contemplar as explosões que vão além de nossa compreensão. Embora sejamos volúveis demais para acompanhar o espetáculo por uma noite, desviando logo o olhar, em busca de outras atrações. Esquecemos que os fogos estarão lá durante o dia, e que o sol ofusca porque sabe que um dia também irá sucumbir, só que esse astro brilha antes de morrer, ao contrário de outras estrelas.

Olhei para o horizonte e nunca mais consegui enxergar, já que o finito é infinito no olhar. Espremendo esperanças como cravos indesejados. A fonte seca vira altar. Nuvens negras de tão brancas, acabam contaminando o céu, com sua presença cortinada, enredando corpos celestes. Sigo apenas o rastro do avião, que espalha as nuvens e risca o céu, com sua prepotência. Mais um drink e ludibriamos a prudência. A vida é imprudente. Viver sóbrio, eis a grande morte. Num relance fotografamos um instante e nada mais. Todo o resto se perde nos infinitos pontos cegos da lente. Já não existem olhos para acordar. Recorda é o laço te sufoca. Quanto mais estiver dando corda. Liberta-te se for capaz. Foge da paz. Até nunca mais.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 07/02/2015
Código do texto: T5129363
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.