Apaguem a Luz

Nas trevas, o som da respiração ofegante. Nenhum passo no ambiente pequeno e parado. Existe algo ali. Indeterminado e tão presente. Mesmo não podendo enxergar, é possível presumir o vidro embaçar. Uma cobaia que se debate diante da possibilidade de agressor. Páginas e páginas em branco revelam a falta de conteúdo. Escuto o estalo do espelho trincado, que exibe a cicatriz, como um Scarface. O mistério pode ser uma lâmina que atravessa carne resistente. Terror que se apodera de todos os sentidos. Unhas raspando a superfície intacta.

Acende a luz e nada mais resta. Na verdade os objetos falam por si, revelando a imagem da matéria que ignora o terror. Expectador fiel, como monumentos que ultrapassam o sentido que o homem lhe dá. Arquitetura que se dá através da extinção da vida. O fósforo tem a sua duração, tão precário quanto a luz, que só faz morrer para tentar florescer na próxima aurora. Ver dá a segurança do olhar. Mas como é frágil enxergar essas poucas matizes. Fogueira das vaidades que arde silenciosa, até as brasas crepitarem e o ruído das forjas de Volcano incomodarem até mesmo o silêncio paradisíaco do lar dos arcanjos.

Volta a escuridão. A sombra é permanente e a claridade não passa de um flash. Quase um toque. A previsão da manobra faz com que o corpo gelado arrepie e o calafrio provoca uma náusea seguida de desfalecimento. Escuridão total. Mente limpa.

Luzes acesas ao abrir dos olhos. O pânico de talvez acordar no escuro, faz com que uma pausa longa persista. Ondas de raios arrebentam na face pálida. É da natureza do sol agredir, pois expande com a intensidade de quem sabe que vai apagar. Sua força existe por conta da necessidade em se fazer presente, no ápice de suas forças. Sou um sol aterrorizado diante da tragédia anunciada.

Some o corpo e me vejo mergulhado. Ver-se mergulhado é apenas uma licença poética, já que o que menos faço é me ver. Mas a gente pode se ver muito quando deixa de se olhar. Embora olhar seja um reflexo, que ora aparece nos olhos dos outros ou em algum espelho qualquer, restando ainda uma dedução do que seja a partir da comparação entre eu e o próximo. Pânico que se apodera e faz ajoelhar sem rezar. Impossível me curvar já que pareço estar sentado.

Clareia de novo. Não existem olhos para se espelhar. Uma cadeira, vazia de traseiros.Uma cama com lençóis intactos. Mesmo o quadro parece tão sem sentido, já que a moldura parece engolir estes traços. De que serve a arte quando a necessidade fala mais alto? Alguém duvida que o medo surge de uma necessidade? Derrubo os livros como peças de dominó, só pelo prazer de ver a queda de agrandes nomes.

Dessa vez eu abri os olhos na penumbra. Talvez nunca volte a abri-los. Viver para sempre nesse estado. Acredito que o deus criado seja tão perverso devido a ter sido lançado nesse escuro eterno e infinitamente finito. Se tiver que viver na escuridão, que seja sem consciência. Se tiver consciência, que seja breve. Benditos sejam os outros animais.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 14/12/2014
Código do texto: T5068748
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