Maestro

Nas roldanas, ergui tua carcaça morta. Já vejo os cabelos caídos sobre a fronte, num movimento de cascata em sangue. Faltarão os beijos nessa boca defunta, já que o último sopro estrangulei com mãos de carrasco. Mil vezes enforcados, com aquelas cordas pendendo, feito pêndulos humanos marcando a hora final. A catástrofe do outro é sua superação mais bestial, em um instinto de bicho que é canibal. Hannibal. Mas de que vale a fama ao pisar na lama urbana? Os mumificados serão separados para uma colheita vindoura. Os vermes retesados, em crisálidas sólidas que impedem roer a suculenta carne. Presas vazias de um parasitismo vampiresco, minando as gotas dos pulsos cortados, como um licor em forma de estalactites.

Escuto o som oco do seu crânio esfacelado, aberto a pauladas. O cérebro escorre feito um vômito sem ideiais. Uma mancha maldita que vai para a sarjeta, servindo de pasto às línguas caninas. Doce amargo do dia-a-dia. Espasmos molhados no lodo de dejetos. Aquele chorume de pessoas adoradas, transformada em lixo que intoxica e dá nojo. Esgoto a céu aberto com noite enluarada. A tragédia é a miséria exposta em cada esquina, embora não seja preciso dobrar uma rua para percebê-la. Velas acesas decoram os postes comedores de insetos. Fogo fátuo dos faróis cretinos que entopem as avenidas, ocultando com seus vidros fumês. Fantasmas automobilísticos. Transporte de gado. O rebanho sacrificado que segue morto sem se dar conta disso. Ainda que tenha sido informado.

A máscara protege o rosto, mas revela os olhos que despem a vítima. Carne trêmula que é esquartejada e servida em porções. Moscam sentem o odor do podre e se proliferam. Abutres abrem as asas e conseguem eclipsar o sol. Alagadas as faces em poças de lágrimas, transbordando o alívio que inunda os poros. Dança macabra de gotas rebeldes. Quem pretende uma agonia, pode se suicidar no momento exato em que a lâmina abre a jugular. A mão que conduz a violência do carrasco e faz com que o ato desejado seja consumado. Se houver um espírito, irá evaporar como uma fumaça qualquer. Solto. Falta-lhe o corpo que não passa de uma mesquinha ânfora. Erguendo tendões e deixando o fantoche flutuar diante da própria morte. O relógio dita um tempo esquecido. Abre o ventre e expõe os intestinos, que são recolhidos por um desespero de quem consegue se ver por dentro.

Agora é possível arrancar os olhos das órbitas, brincando de Hamlet com aquela cabeça vazia. Para os românticos, os corações serão servidos em belos pratos. Estripados ridículos jogados em um canto escuro, desfrutando da companhia de ratos bandidos. O cheiro que embrulha o estômago e faz a reflexão da náusea. Ossos acumulados, formando amuletos bem organizados. Nem mais um único grito, apenas o silêncio opressor que contamina os aflitos. Aberto do tronco até a pélvis, com ganchos que sustentam o abatido. Um sussurro. Um gemido. Um sustenido. As portas se fecham e as notas se soltam. Mais silêncio. Quantos segundos mais?

….

….

….

­-- Alguém consegue me ouvir? (Choros)

– Por favor!?!?

– D...

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 09/11/2014
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