Labirintos
Nos caminhos desconhecidos, os pés tateiam o piso frio, de um granito cadavérico. As paredes são vitrines mortas, com espelhos postos para confrontar o olhar tímido, que se torna angustiado. Ver-se a todo momento e em todos os lados, naquela opressão de ser observado, esmagando o corpo até virar comprimido, para que possa ser tomado nessa sarjeta de tarja preta. O relógio continua adiantando os ponteiros, mesmo que não possamos visualizar o deslizar da lança de Chronos sobre nossas cabeças. Cada esquina é um mistério, em encruzilhadas que não se cruzam jamais. Se uma aranha tivesse tecido, seria algo muito mais fácil de seguir. Mas onde está Ariadne quando se precisa dela? Não passa de uma tecelã de aracne. As taças de sangue tinto não foram mais servidas, e a boca seca, que amarga ainda a última ressaca, busca curar a aflição dos trejeitos espasmódicos. São tantos os desencontros, que já consigo prever esse abraço do nada na próxima curvam, abrindo valas que servirão como minha sepultura. Toco a imensidão das coisas e pressinto o quão longe estão. Só o gosto da ressaca e mais nada.
As lentes da retina se descolam e quicam até serem esmagas pelos pés de touro. A fita métrica se esforça para alcançar as léguas, que correm feito o vento, na ligeireza do efêmero. E essa luz sombria que apaga a escuridão tão bela. Com vistas cegas que seguem as setas de um Cupido cúpido. Quão estúpido é se deter nas linhas e ignorar essas milhões de faces que são a única e mesma. Quantos rostos pode ter um deus ateu? Nas pontas dos dedos que fazem sutis gemidos, a ponto de ranger cada articulação, em uma sinfonia de estalos. Fantoche de varetas ósseas, com aquele verniz de carne, marionetando pelo espaço do cubículo. Labirinto de vícios miúdos, que se insinuam em um leve soslaio. Agachado sobre si mesmo, como se o mundo fosse um útero que comprime, a ponto de sufocar. Se enforcar nas sobras de sombras pegajosas, que formam um lodo movediço.
Seus sapatos continuam perdidos. Enquanto o chapéu de cabelos, tremula com o impulso da corrida de uma vida. Tropeçando em uma dúvida que apareceu repentinamente. Catando cavaco e escorando-se no vazio. Alguns pássaros precisam da ausência de chão para descobrirem que é possível o bater das asas. Cada pena é uma faca, cravada a ponto de sangrar e alargar o ferimento quando desembainhadas do corpo armado. Desenterrados todos estamos. Seguindo debruçado sobre o parapeito do próprio peito, asfixiando a esperança, a medida que caminha rumo a camadas mais profundas da caverna, onde nem o eco resistiu. Nos confins de um drama que reclama em ristes estalactites. Apoiado sobre as mãos, para que os pés toquem o teto baixo. Mas o de cima é como o de baixo, com aquela quantidade de espelhos. E o medo se insinua sem segredo. As batidas do coração fazem trincar o vidro, embora aumentem a quantidade de formas, com micro faces que fazem recordar alguma arte Maia.
Aperta o passo e sente os pregos, espetando as solas entregues. Cada pisada é uma fisgada, formando aquele rastro de lesma vermelha. Escoando a cada movimento. Confinado em um jazigo. Tremendo ao resgatar as últimas forças. Deparando-se com a figura hedionda de olhos de fogo. Sente o corpo arder inteiro, queimando de dentro para fora. Os pés tomados de cacos de vidro. Calçados com uma sola que estilhaça, formando camadas mais finas, a ponto de levar as mãos ao rosto. As palmas repletas de cacos que descarnam a face, em um pranto de lacerações. Aumentando a ressaca que rasga a jugular, expelindo o último vinho.