Santa Morte

Sebastião era um homem bonito, até demais. Todas as mulheres (solteiras e casadas) suspiravam ao vê-lo passar e muitas caíam de paixões por ele. Dentre estas, ele poderia “escolher” a que quisesse, mas seu coração não se interessava por absolutamente nenhuma. Ele até se aventurava de vez em quando com algumas, para fugir da solidão, mas nunca se apaixonou de verdade. Por esse querer de nunca querer levar um relacionamento a diante, dezenas de mulheres tiveram seu coração partido e o que antes era um amor forte e arrebatador acabava, quase sempre, se transformando em ódio. Foi uma decepção como estas, que levou Luciana a rogar uma praga em Sebastião e não demorou muito para que o rapaz começasse a definhar por razões desconhecidas. Logo a estado de saúde dele começou a se espalhar por entre curiosos e simpatizantes, nenhum médico sabia explicar as causas de sua doença, muito menos encontrar uma cura. A comoção só aumentou, já se acreditava que a qualquer momento a morte viria busca-lo. Luciana, que no começo se sentia satisfeita com a realização de seu desejo, agora sentia o arrependimento corroê-la por dentro.

Em uma noite cinzenta, a tão comentada hora chegou. A morte caminhava em passos ligeiros em direção à casa do condenado. As ruas estavam vazias e as casas silenciosas, como se as pessoas soubessem o quem passaria por ali e evitassem o terrível encontro.

A morte entrou na casa de sua vítima que, ainda consciente, já esperava por ela. No quarto do moribundo, depois de erguer sua foice ceifadora de almas, viu o homem abrir seus olhos e num encontro de olhares, hesitou. Ambos pareceram surpresos um com o outro, ela, por perceber a aparência única de seu escolhido e ele porque, ao contrário do que imaginava, a morte era uma belíssima mulher com longos cabelos negros, maquiagem pesada e olhar marcante.

- Quem é você? – perguntou ele, mesmo tendo certeza de quem era.

- Sou aquela que salva os homens de suas piores dores. – respondeu ela com uma voz que não combinava com sua aparência.

Sebastião estremeceu e disse:

- Já tive dores piores. Tem certeza que veio me levar?

- Não. – disse ela.

Sebastião se surpreendeu com a resposta, só então entendeu o que se passava. Viu como a morte o admirava, conhecia aquele olhar, ele convivia com ele diariamente. Embora sua enfermidade tivesse mexido com sua aparência, deixando-o magro, muito pálido e com os olhos, ele ainda era bonito, seu charme era algo que não podia ser tirado e ele sabia disso, mesmo nunca tendo imaginado que nem a morte em pessoa seria indiferente aos seus encantos.

- O que foi? – perguntou – Por que me olhas assim?

- Você, respondeu ela, é a criatura mais bela que já vi.

Ele então começou a sussurrar de um jeito sedutor que o tornava irresistível:

- Não acha que eu merecia mais um tempo de vida?

Ela respondeu no mesmo tom:

- Nunca poupei uma vida, por que com você seria diferente? – enquanto a morte falava, Sebastião sentia que ela se aproximava cada vez mais. Ele só tinha uma certeza: não queria morrer agora. Então, num gesto frio, tomou-a em um caloroso beijo. Ele sentiu mais um arrepio mortal frio correr por todo o seu corpo e imaginou que aquilo era morrer, “e que bela forma de morrer”, pensou ele. Fechou os olhos e sentiu desaparecerem, subitamente, todas as dores que o havia atormentado nos últimos dias. Lentamente abriu os olhos, ainda estavam lá, ele vivo e com a morte a encará-lo.

- Eu morri? – perguntou se sentando.

- Não – respondeu a morte e, desta vez, ela quem tomou a iniciativa de beijá-lo. Após milênios perfeitamente o ofício a qual era destinada, a morte, finalmente fraquejou ao ver naquele homem a aparência de um anjo. Como ela.

A morte se entregou e durante toda aquela noite ninguém morreu, inclusive Sebastião.

[Esta é uma versão melhorada do conto "Casado com a morte".]