Escolha
A cada passo dos degraus escuros, a luminosidade opaca desaparece. Nas frestas das portas entreabertas é possível ouvir os gemidos que chegam na forma de desesperados sussurros. Nas mãos enluvadas que tocam as paredes sem deixar impressões. As cores se somam na própria ausência. Os cadeados da consciência são destravados, um a um, abrindo novas formas de imaginar que mundo, possibilitando ir além do que a moral dos outros permite. Nos olhos vidrados que aparecem sob os cabelos caídos, disparando vistas em direção a uma vítima indefesa. Que chora. Com o nariz escorrendo junto às lágrimas. O cano da arma de fogo apontado para a testa infantil, que acaba de perder a inocência, em um disparo seco, ensurdecido pelo silenciador, que espalha uma mancha de sangue e cérebro contra o azulejo da cozinha. O pequeno corpo tomba, com olhos ainda abertos, fitando a última impressão do assassino, que sai indiferente.
Uma respiração lenta, moderada. O encontro no beco imundo com a prostitua. Convidada por mais um cliente, o sétimo daquela noite. A subida ao quarto de hotel com aroma de mofo e pressentimento de traças. Os lençóis corroídos e manchados. O dinheiro é apresentado. As vestes deixadas no chão. Uma arma que não impressiona a mulher, acostumada a todo tipo de clientela. O corpo do homem, totalmente nu, com as mãos estrangulando o pescoço da vítima, que se debate em vão. O grito sufocado e o seios balançando com o movimento do corpo que se debate. Quase desfalece. Antes de recuperar as forças, uma sequência de socos, que quebram-lhe os dentes, com os cabelos puxados e a cabeça arremessada contra a cabeceira da cama. O cadáver deixado sobre os lençóis empossados de sangue. A saída discreta pelas escadarias desertas. As luvas que não deixaram impressões.
O sinal para o táxi, que para diante do cliente bem vestido. O destino é mencionado. A distração do motorista, que tenta ouvir o que a central lhe informa. A lâmina da faca que abre a garganta do taxista, deixando o carro descontrolado. O homem atrás, apenas aperta o cinto de segurança. Aquele impacto do veículo de encontro a um muro, quase atropelando um pedestre. Os vidros estilhaçados. A preocupação das testemunhas em resgatarem o passageiro, que cambaleia e limpa os estilhaços em suas vestes. As pessoas buscam o resgate do motorista, que parece estar mais ferido. No momento em que o passageiro, trocando as pernas, se escora no muro e segue por um rua estreita e pouco iluminada. Sentado sobre uma lata de lixo. Escutando som das sirenes, que constatam o hábito e indicam aos policiais o destino do outro acidentado. A ordem dos oficias para que o homem colocasse as mãos sobre a cabeça. Consequência da averiguação da ocorrência, com um corte na jugular. Ferimento que não se encaixava à cena do acidente de trânsito.
De joelhos, o homem de olhos baixos, se entrega ao policial, que se aproxima para algemá-lo. O sangue rápido de uma pistola Luger com um disparo certeiro que arrebenta a órbita direita do jovem oficial da lei. Os disparos dos companheiros contra o agressor, que tomba no beco escuro aonde explode a violência. A busca por reforço policial e o chamado de socorristas. A agonia do policial, sob os olhos de seu parceiro, que caminha até o assassino e aponta sua arma não oficial, de numeração raspada, apesar da surpresa de outro agente presente, que pede calma. O clique do gatilho em direção ao tórax e outros seguidos, com projéteis atingindo o abdômen e o rosto do sujeito caído. Que tem a jaqueta aberta, revelando um par de discretos seios. A surpresa de ser uma mulher, com os furos que formam novos mamilos em seu busto. O sangue fazendo uma poça abaixo da virilha, com o desenho da calcinha de cor púrpura. A lua nova não seria a única testemunha àquela madrugada.