Depressão

São tantos dias que todos os dias se apresentam como mais um dia de tantos outros que prefiro não ver. No silêncio do quarto, com a porta fechada é possível ver a claridade que entra por debaixo da porta. O mundo que tenta me convencer e se intrometer nesse espaço reservado, onde vago com minhas eiras de lençóis e beiras de colchas. A luz, esse sol maldito, insiste em se elevar no antro de sombras, com apenas um clique no interruptor. A energia que se insinua por cabos escondidos, espreitando meu sofrimento, como lacraias de força que contaminam as paredes, rasgando o reboco, lascando as camadas de tinta. Os pés descalços, apontam no fim do colchão. Logo sendo cobertos, escondidos, em um frio do que esta contido. Cada janela é uma tentativa da paisagem me esmagar, com sua luminosidade violenta que faz arder as pupilas. O som dos pássaros, o aroma daquela vegetação respingada de sereno. O olfato é estuprado pelas fragrâncias. Me escondo nos escombros das roupas de cama, como se fosse uma caverna-caserna, onde é travada a guerra do eu comigo.

Uma mosca que adentra, com seu zumbido que me dá asco, faz embrulhar o estômago.Estou enojado do mundo, com seus insetos voadores e suas asas rápidas que causam um nó no estômago. Quase consigo vomitar um pouco de mim. Mas me restrinjo a náusea. Os livros, cada vez mais desinteressantes, acumulam poeiras na estante e outros são deixados no chão, largados, deixados ao lado da cama. A televisão ligada, com aqueles sorrisos falsos, transmite aquele monte de informação inútil. Abaixo o volume, já que as vozes e risadas me causam ainda mais nojo. Não observo gente ali falando, ainda que a transmissão seja ao vivo. São fantasmas, espectros cretinos que me fazem apontar o controle e clicar. As pessoas conversam do lado de fora. Escuto passos. O ranger dos talheres. Aqueles expressões de jantar, diante da TV, com olhares trocados e pouco expressividade, para após, acada um seguir para seu aposento. Sou o lugar vago à mesa. Meus talheres não irão ranger e não terei mais que me deparar com aqueles olhos familiares.

As cartelas de remédio acumulam sobre a mesa de cabeceira. São tantas tarjas. A preta parece mais severa, causando aquele estado de apatia, com um sono mal dormido, sem pesadelos, como qualquer animal dopado, para ser contido em seu cativeiro. Minha selvageria parece inventada, já que sigo na passividade dessa vida, vitimado pela apatia. Só de imaginar o gosto da comida, invadindo a boca. Mastigada e engolida. Excretada. A não necessidade da água, já que a própria saliva é uma angústia, com aquele eterno hálito de quem acabou de acordar. O sono eterno talvez não seja menos tedioso do que o abrir de olhos diário. Cada rosto é uma página virada, onde sobram apenas algumas impressões após ter lido desinteressadamente. O asco que sinto por esses otimistas, com suas esperanças de péssimos jogadores. Tudo isso sob a falta de cortinas, que faz com que as persianas abriguem a luminosidade que se insinua por essas lâminas de frestas. São cortes que atingem a minha escuridão, escarificando as trevas que me acolhem.

O pensamento é o que resta. Martelando o crânio em busca das palavras certas. Busco uma revelação que não existe, ou antes, que se apresenta como um nada. O teto, cada dia mais baixo, esmaga meus sonhos dopados. A cama sempre desarrumada. O mal cheiro do quarto e os pelos que se avolumam na fronte, ocultando a face, através de novas cortinas. Cada olho resiste em levantar a pálpebra, encerrando os dias em letargia. Cada silêncio é um tormento de espera. O vazio é preenchido com mais vazio, como se fossemos afogados, não em definitivo. Submerso na agonia que se apropria dos sentidos, restando apenas o trauma. Surge um desejo pela morte, que se torna o único fim. As páginas em branco são folheadas, na tentativa de se buscar o término dessa horrenda obra. Não existem pontos a serem marcados, apenas a busca pelo ponto final da trajetória, que parece seguir uma velocidade vagarosa e carrasca, que a cada momento, eterniza uma chaga. O ranger de talheres esta cada vezes mais distante. Apesar dos últimos instantes, com a ansiedade do fim, se mostrarem ainda mais longevos e equidistantes. Nada muda, exceto a distância.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 16/06/2014
Código do texto: T4847305
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