Insônia

Acordo de noite. Observo as paredes imóveis. O teto esta ali, estagnado. As coisas me afrontam com sua passividade. Abro a boca e não emito nenhum som. Mas faço uma careta, como se pudesse afugentar esse demônio que me enforca. Sinto sufocar e sento. Vou até a beira da cama e fico sacudindo os pés, como se estivesse sobre um peitoral de algum prédio. Mas logo ali embaixo, o chão, calado. Esfrego a ponta dos dedos e o sinto gelado. Eu esquento, como tomado de uma febre sem graves consequências. Agora bocejo e emito um som. Pareço engolir meu próprio eco. O quarto se volta contra mim. Deito e o teto fingindo abaixar-se, como se desejasse me esmagar. A opressão invade o peito e o coração dispara. Um disparate que me faz imaginar um infarto. A vida se esvaindo pela boca, que seca. Levanto e bebo um copo de água, servindo-me de uma garrafa deixada ao lado da cama, em um criado mudo. Mas quase todos os criados são mudos, ou assim desejam seus senhores. Ali, tudo é mudo. Um mundo mudo. Me mudo de lugar. Viro de um lado e depois de outro. Barriga para cima e barriga para baixo.

O dia está claro. Os olhos cansados. O rosto abatido. As olheiras. O sol parece um astro maligno que tenta devorar minhas pálpebras cerradas. Respiro fundo e sigo em frente. O chão está mais quente e eu mais frio. Os olhos alheios são lanternas que transmitem a chama do meu próprio olhar opaco. Agora a noite se aproxima. Dessa vez, nada de acordar à noite. O acordar se faz antes mesmo de dormir. Desperto e atento. Meus sedativos não bastam. Vejo adentrar o quarto uma figura lânguida, que parece voar sobre o solo. Os fantasmas tendem a escolher as madrugadas e o acolhimento das trevas para se manifestarem, como se a noite fosse sue manto sagrado. Talvez por serem mais espectrais, não seriam bem vistos de dia, por não causarem grande contraste com a luz solar. Não me importei em ser algo mortal, pois isso me daria o privilégio do descanso, ainda que eterno. Sim, era uma mulher. Seus cabelos loiros, ou quem sabe, tão apagados quanto o restante do corpo, faziam-na uma espécie de névoa. Sua risada era congelada, como se estivesse o tempo todo com a boca escancarada. Disse que era ela quem me visitava todas as noites, fazendo com que perdesse o sono.

A mente humana pode tergiversar em diversos momentos. A minha deu um nó e senti o cérebro comprimir. Era a minha Insônia quem adentrava o recinto. Ela disse não ser fiel a mim e que flertava com diversas outras pessoas, independente do sexo delas. Me encostou a cabeça em seu peito, aproximando minha boca dos teus seios. Com a unha cortara um dos mamilos, pedindo que eu sugasse o vazio que emanava de seu ser espectral. Estava cheio do nada que a compunha, mas parecia não ter fim e larguei o seio antes que fosse tomado por completo desse hiato que me consumia de dentro para fora. Na próxima noite, estava dopado, desejando fazer sumir da mente aquela imagem diabólica. Mas o remédio reforçava aquela memória. Cada noite dopado, parecia fossilizar ainda mais aquela monstruosa impressão. Não sabia mais quando estava dormindo ou acordado. Duas realidades se confundindo. Tudo ocorrendo enquanto estava ao volante, sentindo o baque do impacto do carro contra um caminhão que vinha em sentido contrário. As ferragens perfurando o corpo e a sensação de paz. Havia ali o início de um descanso. A luz aparecia, emanando de uma espécie de túnel onde eu era conduzido. Quando vem a surpresa. Era ela quem estava a me esperar, com suas mãos leves de espectro a me guiar. Abaixei os olhos para não observara novamente aquele sorriso bizarro e me pus a andar.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 18/02/2014
Código do texto: T4696405
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