Batalha da Inocência Perdida

No jardim, pessoas reunidas entre risos. Um rio próximo corta o bairro, distanciando-o do restante da cidade. Próximo à piscina, o avô faz uma rústica pipa e lança, enquanto as crianças brincam nas águas, tirando seus aviões de papel. Doces servidos antes do almoço e refrigerante bebido no gargalo. Apenas uma das poucas mudanças ocorridas. Mas a guerra continua se espalhando e poucos conseguem conter sua violência. Dizem que foi em certo país que tenha começado. O fato é que se alastrou de uma forma nunca antes imaginada, fazendo com que muitos governos declinassem. Outros acabaram cedendo à nova onda que arrastava os membros da sociedade. Os questionamentos foram inúmeros. Antes, uma população essencialmente idosa. Agora, cada vez mais pessoas de pouca idade assumindo cargos e fazendo vir ao mundo gerações e gerações de bebês. “Uma enxurrada de juventude”, conforme um conceituado jornalista havia escrito em uma coluna popular de um jornal de grande circulação.

Um sério ataque ocorrido contra uma família. Pai tentava se proteger, atacado por uma criança, que utilizava uma arma que atirava aviões de papel. Via eles passarem sobre sua cabeça. Os jatos de folha ofício, voavam com precisão até seu alvo. Pequenos canhões lançavam bolas de papel amassado. Tudo feito com material reciclado ou retirado de estoques da grande indústria. Pistolas de água atingiam as personalidades mais resistentes, que viam no sorriso de seus agressores, uma transgressão que lhes havia sido usurpada. Os tijolos arrancados de uma fábrica para fazer grandes traves, enquanto jogavam bola no pátio, no horário de expediente. A argila virou massinha. Diversas formas foram construídas. Alguns subiam em pomares e consumiam frutas, outros rolavam pela terra de terno e gravata. A preocupação com a produção, principalmente a alimentícia, deixava os mais ortodoxos com irritação. A lei é que se alimentariam quando sentissem fome. Os mais experientes em lidar com a terra, plantaria para si e ensinaria o ofício, para que outros, brincando, também pudesse adquirir seu próprio sustento.

Lojas de brinquedo foram saqueadas. Logo as transmissões de televisão foram cortadas. Era mais divertido apertar os botões coloridos de forma aleatória. Meninos e meninas com roupas de adultos, pisando nas compridas barras das calças ou em metros de vestido que pareciam um véu. Com a falta de energia, a fiação foi utilizada como grandes cordas, onde grupos se esforçavam em rodar para outro grupo pular. O maior pular cordas que se tem notícia. Grupos se reuniam e invadiam centros de animais, para libertá-los. Ainda existiam conflitos sérios, onde armas de fogo revidavam bolas de papel. Mas a maioria conseguia conter os excessos de uma minoria que se tornava cada vez mais escassa. Algo havia acontecido com a maioria. Guerras de lama em estradas de chão molhadas pela chuva. Corria-se pelos campos com pés descalços. Machucados eram tratados de maneira artesanal. Casos mais graves sucumbiam ao perder as forças. A morte era encarada como algo óbvio e feliz. O importante estava em aproveitar a infância da vida, enquanto ela durasse. Livros ainda eram lidos. As estórias contadas eram mais requisitadas, embaixo de árvores e sob o luar. As construções ainda serviam de abrigo.

O fogo voltou a ser a grande luz diante das trevas. A lua guiava pela noite e durante o dia, o sol despontava com todo seu esplendor. Os projetos ambiciosos foram reduzidos a tentativa de escalar uma grande árvore ou ver quem chegava até certo limite primeiro. Homens e mulheres concebiam filhos em um sexo que era uma espécie de travessura. Cada um se conhecendo e explorando prazeres. Birutas imensos tiveram seu revestimento para captação de ventos, arrancado. As grandes auréolas eram cobertas de sabão, para os ventos formarem gigantescas bolas de sabão. Os aviões ficavam no solo. Poucos tiveram a chance de voar. Agora, sem combustível, exploravam esses veículos como dormitórios. Outros animais começaram a perambular pelas cidades, já que os limites foram derrubados. Todos os dias ocorrem festas. As pessoas parecem entorpecidas todos os dias. Nem mesmo tempestades devastadoras, com mortes em massa, abalavam aquele estado de alegria.

Entre as crianças, poucos adultos. Mas existia uma criança em especial, que se destaca. Um dos líderes dessa revolução. Seu poder de persuasão motivou o movimento. O tempo passava e mantinha seus traços, com o se tivesse sido beneficiado por uma fonte da juventude. Em um discurso, proferido para uma multidão, dizia conceder a chance das pessoas voltarem à sua inocência e reconquistarem o Paraíso que lhes foi tirado. Um relâmpago quase destruiu o palanque. A risada maliciosa do líder provocou um estremecimento nos ouvintes. Logo retornou a seu ar sereno e com seu incrível poder de oratória, conseguiu acalmar os ânimos. Ao deixar o lugar, comentou em voz alta: “Quão tolo é meu irmão”. Agora estava em um castelo que foi destinado a sua estada. Comentou que sempre teve vontade de materializar os castelinhos que fazia nas areias da praia. Logo estavam com um castelo medieval lhe servindo de aposento. Sua forma de dominar várias línguas, permitia ter fluência para lidar com todos os povos. Embora tenha pretendido criar uma única língua. Sozinho, em uma manhã, se agigantou. O corpo tomou proporções inigualáveis, como um antigo Titã. Olhou para o céu e com um sorriso de escárnio nos lábios, disse: “Loki é meu nome e a Terra é meu reino!”. “Vinde a mim todos os habitantes, já que são todos, criancinhas” — foi outra frase de impacto que proferiu, com uma risada que ecoou por todo o planeta, antes de se apequenar e voltar para suas peregrinações. Mais uma vez os trovões rugiam e o futuro se tornava cada vez mais imprevisível.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 25/01/2014
Código do texto: T4664355
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