VendaSuaAlma.com

Sérgio lia um conto de terror de um site muito popular na internet, mas desistiu quando na metade do conto o sono bateu, já havia lido bastante e seus olhos ardiam, sem falar que o texto estava ficando muito chato, cheio de frases em uma língua que ele não reconhecia começaram a aparecer e ele não conseguia mais entender nada do que lia, por isso desistiu da leitura, eis a última frase que lera:

“Gratulatione lector. Vendidistis anima tua. Habent a nice vitae.”

Quando pronunciou aquela frase, tremeu. Um frio subiu-lhe a espinha e fechou imediatamente a tela do navegador de internet. Por um momento se perguntou porque fizera aquilo, desde sempre lia contos de terror e nunca sequer sentira um algo estranho como aquilo, ainda mais com um conto que achara sem sentido e que não havia entendido. Por que seu corpo reagiria daquela forma? No canto da tela surgiu uma notificação anunciando que havia recebido um novo e-mail e isso o levou a tomar um baita susto já que o arrepio na espinha havia deixado um clima de mistério no ar. No assunto do e-mail estava escrita a palavra “anima” e só tinha um link, nada mais e o remetente era 243351@email.com. Quando clicou no link, uma tela escura abriu e mostrou em letras brancas a frase “TENHA O DESTINO EM SUAS MÃOS. CLIQUE AQUI E MUDE DE VIDA.” Devia ser mais uma daquelas propagandas inúteis que rodam a internet, mas Sérgio clicou e foi redirecionado para uma próxima tela. Cinza e com as letras pequenas, um texto enorme mostrava algo intitulado de TERMOS DE SERVIÇO E CONDIÇÕES, acostumado com aquilo, não leu nenhuma palavra mais e foi clicando no botão “aceitar” no lado esquerdo do monitor quantas vezes foram necessárias. Seis no total. No final ainda surgiu um “Tem certeza?” E ele clicou em SIM sem saber exatamente com o que estava concordando. A frase “Gratulatione lector. Vendidistis anima tua. Habent a nice vitae ” passou diante da tela em letras grandes indo para a direção esquerda e com um barulhinho agudo e baixinho soando antes que o computador se desligasse completamente. Ele reconheceu aquela frase após alguns segundos de espanto. “Que brincadeira é essa?” pensou. Sérgio foi se deitar quase uma da manhã. Mas aquela frase não deixava sua mente. Fechava os olhos e a relembrava, como se fossem palavras que usasse no seu dia-a-dia, tinha a sensação de saber o que elas significavam, mas não sabia dizer o que era. A sensação de ter algo na ponta da língua e simplesmente não saber como expressar. Lembrava claramente de cada palavra e se o pedissem para reescrevê-la, o saberia com precisão. Depois de muito oscilar entre estar dormindo e acordado, finalmente adormeceu profundamente.

De manhã, o alarme tocava às 06h45min, devia ter alarmado meia hora antes. Mas que droga! Era sábado! Porque diabos ele teria de ir trabalhar no sábado? Sentia muita falta da recente adolescência deixada para trás. Lembrar que teria que aguentar o estresse do chefe por mais um longo e quente dia embrulhava seu estômago, fazendo-o desejar nem levantar da cama. Além de ser um velho grosseiro mal-educado, pegava no seu pé feito o diabo, seria por ele ser novo naquilo? Sérgio perdera as contas de quantas vezes havia desejado a morte para aquele velho rabugento enquanto ele gritava por seu nome para pedir coisas cada vez mais idiotas. Desejava que qualquer dia ele morresse enquanto dormia, afogado em suas próprias banhas.

Após sair de casa, pegou o ônibus e seguiu para o seu purgatório diário. Que surpresa teve, quando se aproximava uma multidão estava por perto e ao chegar lá viu que a maioria era colegas de trabalho, observavam o velho prédio onde antes funcionava a gráfica, ou melhor as cinzas do que sobrou dele. Um incêndio naquela madrugada havia destruído o que antes era seu local de trabalho. Mais estranho ainda foi ver que, embora os prédios ao lado fossem colados com a gráfica, apenas ela havia sido consumida pelas insaciáveis chamas. Pasmou ao descobrir que estranhamente, seu chefe ainda se encontrava lá dentro no acontecido e havia sido a única vítima daquele horrível acidente. Alguns choravam, além de lamentarem a morte de seu, agora, bondoso chefe e a perda de seus empregos. A velha Gráfica Galvão havia finalmente fechado suas portas da forma mais trágica possível.

Não tinha mais porque ficar ali, lentamente, como para não parecer que pouco importava o que havia acontecido, embora pouco se importasse, afastou-se da multidão, entrou em um corredor ao lado do prédio destruído e caminhou lentamente observando os destroços do lugar onde passara os últimos três meses de sua vida. Estava melhor assim. Já que não tinha coragem de deixar o emprego, o emprego o deixou. Todos estavam distraídos conversando na frente do local. Sérgio olhava tudo aquilo com um sentimento incerto, de repente, viu uma mala no meio dos escombros que fez sua expressão mudar rapidamente. Reconhecia a mala do Senhor Inácio, seu chefe e espantou por no meio das cinzas ela ainda estar intacta. Deu uma olhada ao redor, ao ver que não havia ninguém por perto naquele instante, pulou a janela destroçada, tomando em seus braços a mala. Certificou-se novamente que ninguém o observava e saiu rapidamente pelo corredor por onde caminhava. Pegou o primeiro ônibus que avistou e fugiu, tendo total consciência do que fazia, que roubava.

Já a alguns quilômetros de onde trabalhava, Sérgio encontrou uma praça, a qual achou perfeita para conferir o que tinha na mala. Embora já imaginasse o que havia ali. Não se surpreendeu ao constatar que a mala que carregava estava cheia de dinheiro, notas altas, tinha em suas mãos uma pequena fortuna. Tomaria para si aquele dinheiro? Roubaria o que era de seu chefe? “Que se dane!” pensou. “Ele está morto mesmo, não precisa mais disso”. E afinal de contas, eu mereço por esse tempo que aturei aquele velho repugnante!”. Ao dizer isso, para si mesmo, sentiu-se merecedor daquele dinheiro e passou a considera-lo como um tipo de herança macabra. Milhares de ideias do que fazer com aquele dinheiro tomaram conta de sua mente, antes infértil, e ele sabia exatamente como iria subir na vida a partir dali. Se distraia com seus pensamentos, estava longe que tomou um susto ao perceber que ao seu lado direito estava um homem barbudo, aparência de um velho com cerca de 70 anos e com túnica branca, com detalhes dourados em volta do pescoço e um cajado de madeira.

- Parece uma vida legal, não é? Era assim mesmo que você queria? – disse o homem de túnica.

Sérgio tomou um susto. Num segundo parecia não haver mais ninguém ali.

- Vamos acertar alguns detalhes do contrato, já que você não pereceu interessado em lê-lo quando o assinou.

O homem agora aparecera do outro lado, parecia o mesmo homem, mas agora estava usando um terno cinza e tinha aparência mais jovem. Só a voz grave era a mesma.

- Que contrato? – perguntou o garoto tentando se localizar.

- O homem agora estava na sua frente, com aparência ainda mais jovem, usando uma roupa mais casual, disse:

- Não acha mesmo que de repente a vida ia lhe dar a chance que você sempre desejou de graça e do nada, acha? Nós temos um contrato meu caro amigo e querendo ou não, você irá cumpri-lo. Assim como nós começamos a cumprir a nossa parte.

- Que parte?

- Estamos lhe dando tudo que você sempre desejou, Sérgio. E isto é apenas o começo. Em breve todos os seus sonhos e até mesmos os mais simples anseios estarão ao seu alcance. Não é maravilhoso? E tudo o que você precisou fazer foi clicar num botão. Ah, a tecnologia! Facilita tanto a nossa vida... Não precisamos mais de velas, rituais ou derramamento de sangue. Não é maravilhoso?- repetiu.

- Espera! Você está me dizendo que eu fiz um pacto? Você é o diabo? – perguntou Sérgio, levantando-se do banco assustado.

- Não é maravilhoso? Teremos um bom tempo juntos de agora em diante.

- Mas se isso é um pac-pacto... – gaguejou – o que você terá em troca?

- Ah, esse jovens. Perderam o habito de ler. Não sabem como facilitaram a minha vida e dificultaram a de vocês. Mas enfim... – disse isso e desapareceu novamente, reaparecendo sentado no lugar onde Sérgio estava anteriormente, agora na forma de um garoto. Segurando um pergaminho aberto e leu:

- Cláusula quarta

4.5 – A parte beneficiada (O titular) deste contrato de serviço irá restituir emissora, pagando com a sua parte quando algumas das seguintes situações vierem a ocorrer:

a) morte do titular

b) arrependimento por parte do titular

c) caso alguém tome conhecimento deste contrato com confirmação do titular.

- Que quer dizer “arrependimento por parte do titular”? – perguntou Sérgio.

O homem, agora garoto, juntou as mãos fazendo o pergaminho desaparecer entre elas e disse:

- Quer dizer que uma vez que você assinou este contrato, não poderá se arrepender de tê-lo feito. Além do mais, não pode contar a ninguém sobre ele. As pessoas poderão até levantar hipóteses sobre ele, mas você jamais poderá confirma-lo. Já o primeiro item, é inevitável. Embora o contrato vá adiá-la o máximo possível. Quando sua morte chegar, sua alma será nossa.

- O que eu faço agora? – resmungou Sérgio colocando as mãos no rosto e sentando novamente ao lado do garoto que agora já era novamente um velho de túnica branca.

- O que você faz? Nada, respondeu o velho. Vá viver sua vida. Nós faremos tudo por você.

Sérgio enxugou as tímidas lágrimas que começavam a descer. Foi tomado por uma incrível força positiva. Já havia assinado aquela merda de contrato, não havia mais nada que pudesse fazer. Olhou em volta e o velho-homem-menino de túnica, terno e roupas casuais havia desaparecido. Foi para casa levando a maleta e sem muitos remorsos, tinha uma maravilhosa vida pela frente.