Mr. Deep
Com seu chapéu de abas curtas, caminha espreitando as sombras de uma madrugada soturna. Os olhos opacos, desvelam as silhuetas que passam despercebidas pelas trevas. Com suas mãos frias e seus dedos longos, com unhas pontiagudas, acaricia uma pequena em um beco qualquer. As lágrimas da vítima não comovem o algoz, que com o dedo, ampara uma gota e prova, como se fosse o mais doce orvalho daquela frágil natureza. Os pais procuram a pequena perdida, mas nada encontram além do seu desespero. Os gritos são abafados pela mordaça que sufoca, mas não mata. Antes viola aquele corpo inocente, deixando a virgindade naquela sarjeta, tão rota quanto o hímen rompido. Antes da angústia final, ainda entre soluções, rasga aquela doce garganta, com uma lâmina que é constantemente banhada em sangue quase inocente, já que ninguém é totalmente santo em um mundo diabólico como esse.
Em um porão esquecido, uma prisioneira se contorce. Não com o objetivo de se livrar, pois não imagina mais que seja possível. A dor é alucinante. Com uma tesoura, o carrasco começa a cortar-lhe os grandes lábios, como se fizesse algum trabalho escolar minucioso, deixando descarnada a vulva esbelta. Corta cada um dos bicos dos mamilos, como se fossem estúpidos botões. Monta uma mapa com o couro arrancado de suas vítimas, criando uma espécie de cartografia humana. Desenha sobre as peles costuradas e monta um roteiro para seus ataques, desafiando autoridades e amedrontando as mentes populares. Classificado como um demônio, não se deixa impressionar pela mídia, mantendo-se discreto e sem deslizes que possam denunciá-lo. Continua aplicando medicamento na mulher acorrentada, para que fique dopada e a dor possa ser amenizada, já que seu trabalho precisa continuar.
Ganha uma avenida central. Dirige-se a um estúdio de tatuagem e continua a moldar seu corpo. Cada parte pintada representa uma característica de atrocidade cometida. Seu corpo é um diário, onde somente ele consegue compreender a grandiosidade de toda aquela arte. As pessoas são objetos em sua composição artística, instrumentos de sua vontade assassina. O tatuador conversa e discutem sobre clássicos musicais. Os desenhos não parecem fazer muito sentido, mas o artista, acostumado com gostos estranhos na arte corporal, não questiona o que os clientes lhe pedem, apenas executa. Volta para casa, cuidando da cicatrização, lavando bem o desenho, deixando a pomada cicatrizante fazer sua parte. Após algumas semanas, já consegue beber algo alcoólico. Esvazia uma garrafa de vodka e completa com conhaque barato. Mistura uma porção de sangue a dose e toma seu trago com bastante apetite. Encontra o corpo da vítima acorrentada, já morta, após ter sido esquecida durante um tempo considerável. Se excita e fode o cadáver da vítima, gozando dentro daquele corpo morto e rígido, torcendo os braços e ouvindo os ossos estalarem.
Encontra um homem bêbado, caído em uma rua qualquer. Passa devagar com seu carro por cima das pernas do sujeito, fazendo com que o desfalecido solte um grito hediondo. Ninguém se manifesta naquele local perdido. O motorista salta do carro e amarra o indefeso bêbado na traseira do veículo, arrancando em alta velocidade. Quanto parou o carro, restava apenas uma carcaça destroçada, como um animal com partes devoradas por algum carnívoro em uma savana africana. Saca uma arma e descarrega a munição no rosto do morto, esboçando um sorriso já no primeiro disparo, onde o projétil que havia adentrado a face pela parte debaixo, explodia o crânio na parte superior, fazendo voar massa encefálica.
Deep retorna para suas funções diárias. Bate seu ponto e veste seu uniforme de trabalho. Seus companheiros de serviço admiram o jeito quieto e a forma eficiente com que realiza as funções que lhe são dadas. Um funcionário exemplar, que não atrasa e jamais discute por ficar depois do horário ou ter suas férias adiadas. Já ganhara diversas promoções e alguns desconfiavam que seja homossexual, já que nunca é visto com mulheres e apesar de certa idade, jamais se casou ou teve filhos. Em certas ocasiões recebera visitas dos colegas de trabalho, que admiraram a organização da casa e a capacidade do sujeito em beber grandes quantidades de álcool sem nem sequer tontear. Suas paredes, decoradas com réplicas de grandes obras de arte, parecem uma galeria medíocre, repleta de diversos estilos e compondo uma espécie de história da arte, com os diversos movimentos organizados a partir da data de seus identificados surgimentos.
Nada de animais em casa. Algumas fotografias revelam pessoas do passado. Talvez algum vínculo familiar. A carne servida era sempre tão saborosa, rendendo por diversas vezes, elogios e pedidos que preparasse a carne durante refeições sociais. Sua coleção de ferramentas foi conseguida ao longo de anos, freqüentando as mesmas casas de ferragem e demonstrando a especialização ao buscar novos aparatos para sua composição doméstica. O senhor Deep, mantinha sua discrição, instigando a imaginação das pessoas. Na cidade a onda de desaparecimento de pessoas continuava, com a polícia não conseguindo esclarecer os casos e apontando suspeitos com intuito de servirem como bode expiatório e tentar acalmar as famílias desesperadas com o sumiço de entes queridos. Apenas uma vez ouviram o senhor Deep comentar algo. Certa vez em um bar, alguém assistia uma reportagem sobre uma obra de arte que estava rodando o mundo em uma exposição. O sujeito, leigo, disse a alguém que perguntou o nome do artista, que era Picaro. Nesse instante, o senhor Deep disse, “Picasso”, e saiu caminhando com sua dose de whisky em copo descartável, deixando um rastro de surpresa atrás de si.