Sentido da Vida

Abro uma garrafa de tequila. Sem limão e sal, aproveito o gosto puro da cultura mexicana. Não sei bem se isso representa de fato uma outra cultura. Provei um burrito e achei horrível. O único burro fui eu, por ter pagado o que paguei em algo que desde o primeiro instante considerei esquisito. Me sinto um carro antigo absorvendo combustível. Engasgo, mas ainda rodo bastante, com minhas baforadas de óleo queimado. Escuto um cd de Coltrane, me sentindo invadido pela pegada do jazz. Acendo um cigarro e fico observando a fumaça subindo devagar. Parece que a alma está escapando do corpo. Os braços peludos e as mãos cruzadas sobre o encosto da cadeira. O Corpo pesado e a barriga sobrando para fora da camisa. A barba crescendo e o cabelo desgrenhado. Embaralho as cartas e sempre acabo, no final, me deparando com o coringa.

Os vizinhos continuam com seus gritos e música sertaneja. Parece que sofrem da síndrome do corno precoce, já chorando a perda da mulher por outro em uma forma de antecipação melodramática musical. Sento diante da porta e fico observando as nuvens, que estão distantes de mim e próximas dessa fumaça que borrifo após longas tragadas. Os barcos ainda doem por conseqüência do trabalho braçal do dia anterior. Suspender sacos de cimento e baldes com material de obra é algo penoso. Um salve a todos os operários que se matam a cada dia em construções, muitas abrigarão aqueles que usurparam a sua dignidade. Diante do espelho eu reflito e a reflexão continua me mantendo preso a ideias absurdas. Abro a geladeira e descubro uma banda de limão mofada. Provo o suor do braço e sugo o pouco sumo que ainda na resta no limão, para pelo menos o último trago, ter algo de drinque ritual.

Entro na casa dos vizinhos. Encontro o primeiro deitado em uma esteira. Armado com uma enxada que encontrei no jardim da casa que alugaram, acertei um golpe que abriu o seu crânio, fazendo o sangue esguichar contra a parede. No corredor acerto o próximo que está cantando em um batente, com um paralelepípedo, dando outros golpes, até estourar a cabeça. Na sala, o terceiro ao seu virar, recebeu um golpe de tesoura no pescoço, caindo com olhos arregalados. Retirei a tesoura e voltei a acertar-lhe no rosto, peito e abrindo o pescoço, que foi cortado como uma espécie de lacre de couro. O barulho no banheiro indicava que o quarto estava no banho. Mas são cinco, me recordo perfeitamente. Eis que adentro um dos quartos e ele está lá, desmaiado, aproveito para despejar calmamente o que encontrei de inflamável, aumentando o som acendo e jogando o fósforo, trancando a porta por fora. Imagino como deve ficar um corpo carbonizado. As pancadas de desespero e logo em seguida o silêncio. O quarto sai do banheiro e o ataco com uma barra de ferro, com vários golpes que o fazem desmaiar. Abro a porta e vejo o outro entregue as chamas, mas com alguma vida, e a fumaça tenta me sufocar. Prendo o corpo do sujeito com um arame e deixo que o fogo se espalhe.

Saindo calmamente, observo o sujeito morto na frente da casa, com um cobertor sobre o coro e aquela mancha de sangue, que de longe não poderia ser percebida. Entro em casa, as mãos e a roupa sujas de sangue. Ligo a máquina e deixo a roupa batendo. Tomo um banho demorado. Começo a ouvir uma movimentação na vizinhança. Logo chegam os carros de bombeiro. Saio do banho e deito na cama, dormindo. Acordo com a campainha tocando, Continuo deitado e não atendo. Escuto uma falação na rua, som de sirenes. Quando saio no outro dia, um vizinho me cerca e pergunta se não soube do incidente na casa ao lado. Pergunto sobre qual incidente ele se referia, se seria a música a alta. Ele diz que ocorreu um massacre e a polícia andava pela vizinhança, procurando coletar informações. Hoje em dia, estamos passivos de um ato desses, foi o que lhe disse, seguindo para o trabalho. As investigações continuaram. Logo fui cercado por um agente, que desejou colher um depoimento. Disse que só faria isso em uma delegacia e a partir de um mandado. O mandado veio e não compareci, vagando pela cidade e sabendo através de um conhecido, que a polícia estava me procurando, como suspeito de algo. Que me importam as suspeitas. Com o dinheiro reunido, consegui atravessar a fronteira. Hoje estou no México, trabalhando em serviços pesados e bebendo uma tequila legítima. Que se danem os burritos.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 05/10/2013
Código do texto: T4512858
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