As Forcas de Karl
Segunda-feira. Um dia que muitos desejam que não chegue. O final de semana é a dádiva de descanso cristão e a segunda a volta ao inferno que tenta se imaginar que seja apenas um purgatório. Acorda-se com a bexiga e a urina parece sair com a pressão de alguma nascente de água. A dor nos testículos e o esguicho de urina que vai contra a parede e salpica toda a beirada do vaso. Parece que o pau está descontrolado, depois de uma boa noite de sexo com a esposa. Os olhos cansados diante do espelho refletem a amargura daquele acordar. A cama implora por mais de seu corpo, com aqueles lençóis gelados que fazem o pelo eriçar. O cuspe que se acumula e aquele hálito que serve de auxílio ao marketing dos anticépticos bucais. Um galo canta distante, por conta daquelas pessoas que não se acostumam a despertadores mais modernos, como os dos celulares.
O aroma do café sendo feito e o pão que recebe o queijo mineiro derretido. Aquele silêncio causado pela preguiça matutina. As frutas ficam expostas no pomar da fruteira, apodrecendo para que alguém possa sentir pena e consumi-las. A partida no motor do carro e o aroma de combustível, que causa aquela náusea da manhã. As pessoas caminhando para os pontos de ônibus. Como outrora fazia. Aqueles cumprimentos discretos e todos entrando exprimidos no coletivo, se agarrando em qualquer parte que sobre para ser agarrada. Trombadas, sacolejos, desequilíbrios, mistura de aromas. A viatura da polícia para o veículo e pede que o motorista desça. Um pequeno interrogatório e o constrangimento de costume. Pergunto se estou cagado, pela forma como sou observado. O guarda pergunta o que eu disse. Comento que nada, apenas estava apertado para ir ao banheiro. Educadamente o policial diz que está pouco se fodendo para minhas necessidades. Logo depois me libera.
Rasgo uma página da folha de um receituário e enrolo um baseado. Fumando no acostamento da estrada. Observando aquela paisagem e os carros indo e vindo com a pressa de ultrapassar. Tudo parece lento sob a perspectiva da cannabis. Entro chapado e sigo para o emprego, chegando com os olhos poucos vermelhos, após algumas boas gotas de Colírio Moura Brasil. Sem ânimo, sigo o serviço burocrático, imaginando o quanto seria magnífico que alguém entrasse ali armado e descarregasse a munição em cima daquelas pessoas medíocres, contando comigo, é claro. Eu mesmo poderia ser o executor, com uma bala guardada pra mim no final. É clichê a cena, mas ainda assim estimulante. Vou ao banheiro e demoro, sentado na privada para o tempo passar. O final do expediente ocorre, após horas intermináveis. Agora a fila é no caixa rápido do supermercado, que de veloz possui apenas o nome. A atendente do caixa é de uma ignorância, que acredito estar tentando descontar em todos a sua frustração de estar com seu rabo imenso pregado naquela cadeira o dia todo.
A volta pra casa é um alívio que se mistura com desespero. Havia lido que meu nome, Carlos, se escrevia Karl em outro idioma. Pesquisa feita na internet no horário de expediente. Entrei e vi aquelas cordas de aço, que eram usadas para o varal. As desenrolei metodicamente, amarrando a ponta com um alicate na parte mais alta da casa, que era o teto da cozinha. Utilizei o suporte que haviam deixado para que se instalasse algum acessório para auxiliar as práticas culinárias. Parecia ser uma base bem resistente. Me pendurei em uma escada de arma, amarrei os cabos em volta do pescoço, projetando o corpo para frente, causando a queda. Foi possível sentir o estalo no pescoço e logo as memórias vieram. Me recordei até de dores de barriga de quando tinha cinco anos de idade. Nunca havia me recordado dessa época. A base resistiu ao peso do meu corpo, que se manteve ali por dias. Até o dia que o senhorio resolver averiguar o motivo do atraso no aluguel. A partir daí não é mais minha história, mas a dos outros sobre mim.