Vá Idade

Cinco horas da manhã. Lá fora ainda está escuro. Aqui dentro, o silêncio rompido por passos. A procura de algum título interessante na estante de livros. Hoje em dia tem tão pouca coisa interessante. Todos querem falar de tudo e não conseguem dizer nada. Nem um cigarro na cartela vazia, amassada dentro da sacola de supermercado que serve de saco de lixo. Nem pensar em ligar a televisão, pois isso seria suicídio. Uma leve brisa começa a inundar o ambiente, penetrando por baixo da porta de entrada e saída. Nem a fome se manifesta. Tudo parece estar estacionado, aguardando algum grande evento. As garrafas vazias deixadas em cima da pia da cozinha. A dor estomacal. Sento na privada e cago de porta aberta, expulsando toda aquela merda. O papel higiênico barato parece uma lixa no rabo.

Sento na beirada da cama e presto atenção nos pernilongos que voam, passando próximo a meu rosto. Penso em como são irritantes quando passam próximos ao ouvido antes de dormir. Por esse motivo, derrubo alguns com o aerossol. Bebo um, dois, três, copos cheios de água. Deve ser efeito da ressaca. Nem pensar em ligar o rádio e ouvir essas músicas deprimentes que tocam nas estações de rádio hoje em dia. Ligo o computador e fico observando as mudanças de cor na tela. A internet ainda funciona. Abro algumas páginas e fico mais entediado do que empolgado. Começo a escrever. Mais logo abandono o monitor. O telefone toca. Alguém ri do outro lado da linha, voz de homem. Pergunta se é um tal de Marcos. Digo que não e desligo. Antes de desligar ainda escuto outra risada daquelas do início da ligação, parecia mais de nervoso do que de deboche.

Abro a gaveta em busca de alguma sobra de cigarro e encontro as contas. Estão empilhando e ainda é final do mês. Chegarão mais. O dinheiro já acabou faz tempo. Sobraram as migalhas para algum café ou cigarro a varejo. Escuto o som dos vizinhos se aprontando para a rotina de trabalho. Os cães latem. Penso em como deve ser bom não precisar nem mesmo ir atrás da própria comida. Bastava abanar o rabo e o dono já ficava satisfeito. De vez em quando trepando com alguma cadelinha, ficando engatado. O melhor seria latir, incomodando todo mundo. Os dias parecem vagarosos e aguardo a idade avançar, desejando antecipar o relógio da vida. O suicídio sempre me pareceu uma grande besteira. Prefiro esperar a coisa acontecer, enquanto vou me fodendo aos poucos. Antes olhar para o teto, do que ficar atrás de uma mesa de escritório, com um cara que acredita ter erudição por ler Veja. Egocêntricos de merda, que gostam de sugar as pessoas para conseguirem viver com suas regalias fúteis.

O carro já foi vendido. Mantenho a foto que tirei ao lado dele. A última mulher não me suportou, dizendo que precisava de estabilidade. A vaca queria dinheiro. Abri a torneira e enchi um copo, bebendo de uma só vez. Saí de casa, atravessando as ruas. Já estava amanhecendo. Entrei na padaria, observando aqueles rostos mal dormidos e prontos a fingir simpatia tão cedo. Saquei uma pistola e disparei contra a atendente. A bala estourou o vidro da estufa atrás, espalhando os pães. Mais um tiro no caixa. Acertei ainda três clientes, dois homens e uma velha. Alguns tiros provavelmente foram fatais, os outros deixaram os feridos caídos. A maioria daquelas pessoas eu nunca havia visto na vida. Não importava mais, estava feito. Ao sair, parei em frente a um carro e disparei contra a mulher que estava no carona esperando o motorista que eu havia baleado na padaria. Pensei que assim seria melhor. Todos receberam seu pão diário. Fui caminhando a pé, até em casa.

Horas depois a polícia invadia o local. A arma estava em cima da mesinha de centro. Lia um romance pela segunda vez, deitado na cama, fumando um cigarro que encontrara dentro da gaveta de cuecas. Fui rendido, jogado no chão e algemado. Levado para a delegacia e colocado diante do delegado, que deseja saber através do interrogatório, porque eu havia feito aquilo. Disse que estava de saco cheio daquilo tudo, que podiam me colocar em qualquer cela. Dias depois, estava eu sem advogados para me representar, sendo procurado por curiosos, já que o caso havia repercutido na imprensa. Sem contas para pagar e com cigarros para fumar. Ali dentro era mais agitado e via os tumultos ocorrendo. Talvez por me acharem louco, nunca tentaram comer meu rabo. Recebo livros e faço exercícios. Vou cumprindo a pena até quando acharem necessário. Talvez volte a escrever.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 25/08/2013
Código do texto: T4450723
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