O Menino do Sorriso Diabólico

Mais um parte em meio a tantos que se avolumam em nossa sociedade. A mãe, ansiosa pelo bebê, já que o pai havia falecido antes do nascimento de seu filho, vítima de um assalto. O sujeito fora desatar o cinto de segurança do veículo, sendo surpreendido pelo disparo de um garoto que portava uma arma. Jamais desejaria reagir ou demonstrar qualquer coisa próxima disso, pois estava muito feliz com a vida e a promessa de um filho de viria. Sabiam que seria do sexo masculino, por determinação de laudos feitos a priori. Perfeito disse o médico no acompanhamento pré-natal, bem como após o primeiro e sofrido choro. Algo singular era possível observar na anatomia facial, o menino tinha uma espécie de risco que formava um sorriso. Era uma cavidade que se manifestava em cada canto da boca.

O bebê, levado para uma casa humilde, foi recebido por vizinhos e amigos, que confraternizavam, dizendo que era uma dádiva vinda após a recente tragédia. A mãe olhava para aquele filho com uma ternura emocionante. Amolecia ao senti-lo em seus braços sugando-lhe com devoção os seios robustos de leite e carinho. Acariciava aqueles cabelos e às vezes chorava sentindo saudades do marido. O menino crescia, sendo colocado em uma creche pública, já que a mãe precisava trabalhar para que ambos pudessem sobreviver. As crianças nãos e relacionavam com o menino, que vivia isolado ou ameaçado por outros pequenos, que também sofrem aquela agressividade por aquilo que desconhecem. Uma garotinha gostava de passar os dedinhos contornando aquele sorriso imutável. Até quando chorava, parecia rir do trágico.

À medida que crescia, mais se acentuava o traço marcante em sua face. Fora perseguido diversas vezes, evitando contato com o grande público, andando com roupas que cobriam ou de alguma forma ocultava seu sorriso. Quando adolescente, chegara um dia em casa e encontrara a mãe desfalecida. A mulher sofria de alguma doença que se agravara com a falta de cuidados médicos, mas a miséria não permite um tratamento adequado, fazendo com que muitos sejam surpreendidos por doenças aparentemente tratáveis. O enterro fora feito em cova rasa, com poucos convidados no velório. O menino, vivendo em uma casa de aluguel, tentava trabalhar e saudar as dívidas. Era difícil conseguir emprego, ainda mais pelo rosto repudiado. Em certa ocasião, um sujeito rude lhe ofereceu um emprego braçal exaustivo. Trabalhava diariamente exaurindo suas forças. Mesmo assim não conseguiu saudar as dívidas, sendo obrigado a deixar ao imóvel.

Os poucos pertences foram levados a um quarto dos fundos, que parecia uma garagem improvisada localizada onde trabalhava. Não recebia mais salário, apenas trabalhava pelo lugar e algumas migalhas de alimento que eram sobras das refeições feitas pelos outros proletários. Um dia, um cliente se deparara com aquela figura e oferecera ao proprietário uma proposta lucrativa. Exibiriam aquela jovem aberração em um circo, o que atrairia a atenção das pessoas e lucrariam com os ingressos. O rapaz acabou se sujeitando a esta nova etapa, vestindo trajes de palhaço, com maquiagem que reforçava sua singularidade bucal, continuava não recebendo um centavo a mais. Os novos sócios estavam felizes e foi quando um dia, ocorreu algo especial. O jovem, em uma de suas apresentações, contemplou com seus olhos os olhos de uma moça que pareciam feito de magia. O seu peito parecia sufocar com o ritmo acelerado do coração, que fazia com que seu corpo movesse em direção ao que o atraía. Aproximou-se e estendeu uma rosa a jovem sentada naquela arquibancada rústica.

A cena improvável lhe rendeu repreensões por parte de seu senhoria, que advertiram que jamais poderia se expor ao público, já que era uma espécie de demônio, que afugenta as pessoas. Triste, pensava a respeito dos fatos de sua vida, as tragédias que o rodeavam. Uma noite saiu do circo sem rumo, caminhando por avenidas desertas. Fora espancado em um beco, sendo chutado enquanto os agressores pediam para que parasse de rir se pudesse, pois quando o sorriso sumisse o deixariam em paz. Acabou resgatado por alguns indigentes que o levaram para um beco, onde conseguiu um pedaço de coberta e alguns restos de frutas que haviam conseguido usurpar de uma feira livre. No outro dia, agradecera a acolhida e seguiu seu caminho, já que não concebia aquele como sendo seu destino. A fome o frio o assolavam, acabando por perder as energias em frente a uma construção envelhecida. Acordara em uma cama macia, com mãos que limpavam seu rosto febril, quando perdera novamente os sentidos.

Ao despertar, estava em um palco de teatro, o rapaz que o ajudara, comentara ser ator. Aquele local era onde um grupo se reunia para ensaiar. Descobriram conversando, que seus anos de leitura afinco lhe valeram alguma coisa, pois possuía um leve conhecimento acerca da arte e de alguns nomes da literatura mundial. A biblioteca próxima a casa em que vivia com sua mãe, sempre foi um refúgio para se isolar do grande público. Acabou sendo apresentado aos outros integrantes da companhia teatral. O talento em decorar textos, bem como a expressão singular facial, fizeram com que em poucas apresentações se tornasse um sucesso. Não se sabe o motivo de interesse do público, se era pelo novo talento ou sua fisionomia exótica. Um dia ocorrera um beijo entre o jovem de sorriso enigmático e o seu salvador, o que fez com que fossem para a cama e descobrisse essa forma de afeto e carinho. Se tornaram felizes amantes.

Um dia, na platéia, aquela moça aparecera novamente, como em um passe de mágica. Dessa vez foi até ela com mais convicção, caindo de joelho a seus pés e ficando mudo em cena. Apesar do sofrimento de seu amante, ele entendeu que o rapaz merecia conhecer um amor além do carnal, resignando-se a aumentar o número de amantes para compensar a falta desse ser único. A jovem começou a freqüentar diariamente os espetáculos. Conversaram nos bastidores, o que fez com que descobrisse que a menina era adotada, uma órfã como ele, que sofrera na miséria. O relato aumentava seu apreço por aquele ser angelical. Os pais da jovem não se opunham aos encontros, já que eram pessoas sensíveis, daí a necessidade em cuidar da menina, quando a encontraram na sarjeta e por incrível que pareça. Anos intacta de estupros e outras formas de violência, que uma mulher miserável está sujeita.

A moça, empolgada com o novo amor, após no dia anterior terem trocado um beijo que pareceu ter durado. uma eternidade, se apressou em ir ao teatro. Acabou sendo atropelada por um sujeito que estava alcoolizado. A dor dos pais não permitiu que o rapaz fosse ao velório, fazendo com que depois prestasse suas homenagens de forma solitária aos pés de uma lápide tumular. Chorava e via no reflexo da poça de água, já que chovia, a sua risada maligna. Talvez fosse mesmo um demônio, portador da tragédia. Desesperado andava pelas ruas sem destino, como se tentasse fugir de sua própria sombra. Atacado em uma esquina por um assaltante, conseguiu arrancar-lhe a faca e em legítima defesa, esfaqueou o meliante. Parecia ter dilacerado a si próprio, caindo em pranto e sendo recolhido por guardas municipais. Em uma cela, aguardava seu julgamento, entre olhares curiosos de outros encarcerados. Condenado pelo assassinato de um inocente, já que não foi comprovado nenhum delito do outro para com ele, fora mandando a uma prisão.

Seus dias passavam lentamente naquela prisão. Tinha acesso a livros, o que fazia com que mais uma vez se refugiasse neles. Era espancado, estuprado. Em uma tentativa de reação, acabou em uma solitária, o que fez com que desenvolvesse uma outra personalidade, sombria. Em uma fuga conseguiu evadir do cárcere. Caminhando pelas ruas com seus inocentes olhos, acabou sendo tomado pela outra personalidade, que se confortava naquele sorriso intransponível. Com uma faca que conseguiu furtar de uma bancada de açougue, seguiu pelas ruas, com pensamentos indescritíveis. Ao encontrar um guarda municipal, que falava ao telefone, não hesitou em rasgar-lhe a garganta, antes que pudesse reagir. Com o sangue coloriu o sorriso, como se fosse um batom macabro. Invadindo em seguida um casebre próximo a cena do crime, fazendo uma pequena família de refém. O marido e a esposa foram logo esfaqueados, restando apenas a menina, que estava encolhida em um canto da pequena sala. Aquele sorriso diabólico dizia a garota que um dia fora frágil como ela, mas que agora se tornara uma criatura perversa e que teria como meta propagar o medo. Policiais assustados em busca de testemunhas para o assassinato do guarda, ao adentrarem a casa, ficaram chocados. A brutalidade das mortes, a menina nua e estripada.

Começa uma caçada pelo monstro que havia cometido uma série de assassinatos. Nada de evidências, apenas alguns comentários sobre algum andarilho aqui e ali. O rapaz voltara ao teatro, dizendo aos antigos companheiros que havia tirado férias e voltara. Organizaram um novo espetáculo, chamado de “Glória e Sangue”. O lado sombrio o tomou novamente, fazendo com que tirasse a vida de cada um dos membros da companhia. Quando o público sentou-se e as cortinas se abriram, foi um espetáculo nunca antes vivido ou sequer imaginado. Aquela série de corpos abertos, nus, pendurados, expostos. Ocorreram desmaios, a tentativa de linchar o monstro,que contemplava tudo de cima, com aquele sorriso diabólico, pendurado em vigas que sustentavam o prédio. Quiseram incendiar ou derrubar o prédio, mas a polícia impediu a fúria da população. O rapaz disse em bom tom, se aproveitando do aparato sonoro que dispunha, “eu sou um demônio, o sorriso eterno em meu rosto será a aflição infinita no coração de cada um de vocês”. Pulou, com uma corda ao redor do pescoço, enforcando-se. O corpo pendurado, balançando feito um pêndulo de relógio, o sorriso sem se desfazer, como se fosse o último ato de um espetáculo bizarro.

O corpo fora enterrado sem público, em local desconhecido. Desejavam esquecer aquela tragédia, embora as palavras continuassem na mente daquele público. Não conseguiam se desvencilhar daquele sorriso, fazendo com que uma onda de suicídios e distúrbios mentais atormentasse a população. Nunca mais pode-se dizer que aquela cidade foi a mesma. Restou ainda a lenda para as gerações futuras. Nenhuma lenda, por mais que seja bem elaborada, se aproxima do terror de um fato que contamina uma época. Não se pode prever as consequências de algo tão assustador. Crianças comentam com seus pais que conseguem vez o outro se deparem com a imagem de um homem com um sorriso macabro e existem pessoas que se recusam a vagarem pelo bosque do outro lado da cidade, local que foi sentenciado como túmulo do antigo assassino. Provavelmente tinha um nome, mas não diz muito acerca dos fatos. As pessoas não desejam pensar muito acerca do mistério, já que o medo de algo retornar era mais forte do que a curiosidade. O que fazer quando as esperanças se tornam uma promessa de desgraça?

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 15/07/2013
Código do texto: T4388166
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