Ponto de Vista

Tudo começa a partir de um ponto, meus caros amigos. Um dia acordamos e eis o ponto inicial. Como quando saímos daquele útero apertado, que é suficiente até certa etapa. Sem contar quando éramos uma célula, e duas se encontram, na tentativa de forma um ponto novamente. São tantos espermas, mas apenas um chega lá. Parece um tanto machista essa perspectiva, e é. Mas é o relato de um homem, então não posso falar de óvulo, menstruação e coisas que não fazem parte de minha natureza. Soaria falso e com pouco sentido. Quando nascemos, o mundo é um ponto de luz que cresce e quando morremos, um ponto escuro que se esvai. A ciência diz que o chamado Big Bang foi assim, uma explosão a partir de outro ponto originário. Cada vez mais desejamos saber sobre essa função principal, alguns até definiram com o nome de deus. Prefiro não ser tão simplista.

Comecei a escrever esse texto, traçando uma trilha de pontos, como a concepção de uma reta. Fui desenvolvendo cada parte, digitando, para que não fosse possível uma leitura a partir de minha caligrafia. Claro que a internet possibilita formas de rastrear, mas isso importa pouco a quem tem a vida como algo efêmero. Todos os dias os sonhos aparecem, invadem a mente, aquele primeiro momento que equaciona toda um imaginário, retido dentro dessa caixa craniana e que tenta escapar pelas possibilidades que os estímulos cerebrais fornecem. À noite, aquela inquietação e o sono de repleto de imagens sangrentas. A força do golpe e o sentimento de realização, ao ver o corpo alheio perder a vida. Pessoas se apegam tanto a essas pequenas insignificâncias. Aprendemos a ler, com o lápis fixo, marcando aquele círculo diminuto, chamado ponto posteriormente e que só lembramos, quando terminamos a frase e nos pedem o acento final.

Parado em um ponto de ônibus. Dia de chuva e lugar quase deserto. Não fosse a presença de uma pessoa do meu lado. Analisava cada gesto. Se matasse aquele rapaz, ninguém saberia. Nada de testemunhas, a chuva encobrindo as evidências. Mas hesitamos diante do primeiro ato. Eis o ponto inicial e fundamental. Como quando se perde a virgindade. O mistério de explorar além da capacidade até então utilizada. O tempo todo ultrapassamos limites, mas não damos conta disso. O pensamento na mente daquele que deseja um ato é como uma sombra que persegue além da resta, ferindo com sua presença apavorante. Ainda que me venha à mente aquele obra do autor russo Dostoiévski, em que apresenta seu personagem Raskólnikov. Creio que o maior tormento não é do sujeito culpado pelo ato imoral, mas a agonia por não explorar sua vontade. O enlouquecedor em nossa sociedade é justamente esse aprisionamento das vontades. É uma falsidade pensarmos que hoje somos mais livres. Creio que somos mais iludidos, pela grande variedade de prisões que dão esse falso sentido de liberdade.

Na infância, surgem aquelas histórias de psicopatia, em que narram comportamentos. Dizem que o sujeito tira a vida de um animal e isso indica sua fonte assassina. Os psicólogos pouco entendem de si e consideram ter encontrado as receitas para a pluralidade que é o ser humano. Tolice. Podemos desejar uma coisa sem nunca tê-la consumido. Muitos iniciam sua vida de bebedeira ou tabagismo, assim. As drogas estão aí para nos demonstrarem isso. É o gosto pelo proibido. Por isso homens mal resolvidos traem suas esposas, já que fingem aderir ao que o sistema determina. O que manda é a sua vontade. O criminoso sabe das regras, mas assa por cima delas. Existem os inocentes, mas esses não costumam durar muito em um mundo de experientes. O estuprador, o pedófilo, não passam de seres tentam perder o que os reprimem. Não posso dar uma de psicólogo, desejando dizer sobre como os outros se comportam.

A aquisição de uma arma no mercado negro, foi um passo decisivo. Um dia, em uma estrada, observando nas margens uma pessoa desconhecida pedindo carona. Um tiro na fronte, o caso estava encerrado. Um ponto perfurante, que fez com que ultrapasse a barreira que impedia a execução do desejo. Mas era pouco. A vida não é tão simples quanto um projétil. Reparo em nossos poros, isso sim é uma infinidade de pontos. A vida é uma teia, ou melhor um bordado em que vamos costurando. Daí minha expressão considerada monstruosa, ao utilizar um objeto perfurante para ir desfazendo as tramas da pele de uma de minhas vítimas. O sangue transbordava e os gritos me irritavam, por isso tive que abafá-los. A expressão de terror era excitante, o que me fez ir até o fim, estripando aquele corpo formidavelmente fragmentado. Contar sobre os crimes é uma banalidade, o prazer está em cometê-los.

Você, leitor, espera nunca me encontrar, que eu seja uma obra de ficção. Todos os dias, vive uma vida monótona e que procura apagar o que foge a sua compreensão. Quando se dá conta da fragilidade, se amedronta. O medo faz com que se apavorem, buscando alívio em uma punição que não venha de vocês. Que a justiça consiga prender-me, que algum acidente de causas divinas possa deter este ser demoníaco. Deus e o diabo são criações nossas. Como podem destruir uma natureza com a força de vontade que supera a de vocês? Não sou nenhum deus e nenhum demônio e isso que me faz tão perigoso. Posso ser qualquer um, a espreita em uma esquina deserta, quando seus filhos estiverem fora de casa ou quando vocês mesmos se considerarem seguros, dentro de suas jaulas chamadas casas. Sou terrível por esse desapego, que não me faz seguir as regras, indo em contramão ao que foi estabelecido. Eu sou o caos, que vem desconcertar essa ordem que os outros teimam em acreditar.

Um dia posso simplesmente parar. Não apenas por conta de uma fatalidade. Mas o desejo pode esmorecer. Muitas vezes as coisas terminam da forma como começaram, ou seja, pouco romantizadas. Existe o apelo ao sentimentalismo, dizendo que se fosse comigo ou com algum dos meus entes. A lógica é a mesma, poderia ser com qualquer um. Mas eu estou do lado dos que esfolam e você dos que gritam. Não é uma caça, com o alguns classificam. Outros animais atacam para saciar seu apetite. Talvez meu apetite seja pela selvageria, que nós por tanto tempo tentamos reprimir. Mas sou menos hipócrita, em relação aos que correm para contemplar um acidente ou assassinato, fotografando as vítimas e assistindo vídeos na internet. Eu alimento os reprimidos e dou a eles a segurança de cometerem o crime sem sujarem as mãos. Sendo condenado, é como se transferissem sua culpa para minha pessoa. Sou um bode expiatório. Posso ser pai, irmão, amigo, namorado, marido, advogado, médico, professor, policial, mendigo. Só precisamos de um ponto inicial e logo traçamos um caminho, criamos nossa reta. Você vai rezar para nossas retas não se cruzarem, e eu continuarei traçando, até a chegada do meu ponto final.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 31/05/2013
Código do texto: T4318385
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