Como é Fácil

Dou bom dia ao gato, que insiste em invadir minha propriedade. Claro, que sou um pouco ríspido, pensando na possibilidade de arrancar-lhe a cabeça. Em seguida, volto a realidade, de que isso que clamo como meu, não passa de um nada que ocupo, simplesmente por estar inserido nele. Bebo duas latas de cerveja, sem conseguir prosseguir, parecendo estar estufado. Ainda tenho a recordação do pastel de ontem da feira, já que a gordura parece não desejar deixar meu organismo a curto prazo. A chuva começa a cair, com um estrondo que parece que um dia irá desabar o céu abaixo. Penso nas nuvens, em seu peso suspenso, pairando sobre nossas desprotegidas cabeças. Os raios riscam a noite, feito flashes de uma máquina fotográfica monstruosa, que com os cliques divinos, dispara suas rajadas, registrando cada expressão de pânico dos que sofrem com as tempestades. As águas caem pesadamente, feito um romper de represa ou estouro de um dique.

Deitado, aliso um par de pernas. Observo o teto que fica escuro em algumas partes, com pingos que brotam, feito um orvalho que nasce das emendas da laje, caindo, inicialmente vagarosos e poucos, depois, rápidos e em grande quantidade. Os panos lançados ao chão, os móveis arrastados, uma voz que surge baixa, vindo da parede do vizinho. A cama molhada, não se sabe se do vazamento da laje, ou da fissura entre aquelas pernas. A fumaça do cigarro, que pula o muro, vindo se instalar nos olfatos trancafiados. O latido fino de um cão pequeno, que enfrenta a chuva. A buzina da moto, com dois toques rápidos. O disparo do gatilho, com duas puxadas rápidas. Mais um corpo perfurado, tombando na porta de casa. A tempestade lava o sangue, ou faz com que se espalhe, deixando a valeta, como um rio vermelho, de correnteza brava, que aterroriza os que estão à sua margem.

Luzes apagadas e tela acesa. As imagens se sobrepondo. A cabeça se abaixa sobre a poltrona, engolindo o membro rígido do sujeito, que tenta manter o restante do corpo ereto. Relaxa, se contorce e engole o gemido. As filas, cada vez maiores. Mesmo com a falta de dinheiro, as pessoas não se privam de pagar as contas, que se avolumam. As poças d’água são agredidas por pneus violentos, que as espalham a uma distância considerável. Os três instrumentos de tortura, estão posicionados dentro de um local obscuro, chamado subterrâneo. O primeiro, uma corda que pende de uma coluna, com a mulher nua, em pé sobre uma cadeira. O chute faz tombar o móvel, deixando o corpo cair, e a corda no pescoço, rompendo as vértebras cervicais. A morte rápida, com os pés balançando, a vulva de pelagem fina e os seios pequenos e flácidos, com a cabeça voltada para baixo, fitando o solo. O segundo, chamado de guilhotina, é solto com mãos de carrasco, fazendo com que a lâmina decepe a cabeça do condenado. Dizem que o cérebro ainda registra os últimos momentos, com aqueles olhos de morto vidrados. A cabeça rola e para ereta, quase em posição de observar o resto de si que ficara para trás, com aquele sangue que escorre da base do pescoço.

A música continua a embalar o grupo que não está ali para dançar. As mãos movimentam-se em gestos de pugilismo. Um corpo cai, atingindo por um soco, chutes fazem a vítima desmaiar. Indivíduos de cabeça raspada, braços musculosos e desenho de suástica tatuado, vão para o confronto. O grupo está em desvantagem, um deles perde o apoio dos outros membros, que fogem. Cai no solo. Agora ele está sendo pisoteado, chutado e socado. O golpe vem, mas não de um punho, e sim de uma barra de ferro. O sujeito cai, já sem vida. Paramédicos chegam, policiais também. Ninguém parece saber o que de fato ocorreu. A música continua, as cabeças, raspadas ou com cabelo cultivado, continuam a sacolejar, cada vez mais rápido, o pescoço chega a quase destroncar. O aroma de cannabis, misturado com tabaco e álcool. Do lado de fora, ativistas religiosos protestam. Os jovens reagem, mostrando-lhes os dedos, as peças íntimas, algumas mulheres erguem a blusa e expõem os seios. O som das bandas é mais alto do que a gritaria de pregação. É chegado o momento do terceiro instrumento, que coloca a jovem na cadeira elétrica. A chave é ligada, a energia faz o corpo se contorcer e os esfíncteres soltarem. Urina e fezes. Aroma de couro cabeludo queimado. Mesmo morta, continua a receber descargas elétricas. Tudo volta a tranquilidade, com os engarrafamentos enormes, pessoas discutindo em sinais de trânsito, internet lenta e sobrecarregada, táxi em falta em dia de chuva etc.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 06/04/2013
Código do texto: T4227075
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.