POESIA EM PROSA; PROSA EM CONTO: UM CONTO DE NATAL!


Um sopro de infância amofinada na mofada e vizinha morada, por vovó carinhosamente trata a moradora! A ancianidade gentil a cuidar da infantilidade – duas fases tão próximas em certos aspectos, e tão distantes no tempo! Vizinhança cuidadosa para pais descuidados; ou para pais a trabalharem até tarde na véspera da natalícia festividade! Uma chamada e a materna voz noticia à gentil senhora o paterno informe do inevitável e laboral atraso até a meia-noite, o que o impediria de buscar o filho quatro badaladas antes da tradicional Ceia, mas que ela mesma o buscaria três badaladas depois do acordado!
 
O pueril enfado crescia com o esvair das areias temporais em nevasca, e através do vidro da ampulheta morada observava a alva e monótona neve, na esperança de logo aos pais ver – os únicos seres familiares na gigantesca e cintilante metrópole! Quando o declínio das horas leva ao declínio do orbe solar e tudo é coberto com umbrífero manto, a cidade acende como natalina árvore em alternada corrente de sonhos e otimismo, e o pobrezinho ali, contemplando enfadado o espetáculo cintilante da vizinhança, esplendidamente decorada de acordo com a época!
 
Já estava a sonhar com elfos, renas, embrulhos e o brinquedo favorito – em um mundo de fábulas e fantasias ao som de guizos à guisa de um sacro sino a chamar a todos para a sacro-santa celebração – quando desperta abruptamente com as onze batidas do tempo a ressoar com as batidas na vítrea vista que disparam as batidas no ingênuo peito ao ler nos ternos lábios: – A mamãe chegou! Em um salto chama a vovó, que ao abrir as portas da ansiedade e euforia, regala ao feliz ingênuo o colo tão almejado que lhe traz alegria!
 
Como um cacho de guloseimas de época, vai abraçado ao braço da mãe, e ao se aproximar do caseiro umbral, encanta-se com a bela guirlanda, como se nunca a tivesse visto – o dom infantil de nunca perder o assombro! A singeleza da decoração interior não deixa de maravilhá-lo, e fica ali a contemplar a árvore – com seus presentes – e a lareira – com suas meias! Segundo ele, a lareira não podia ser acesa para não afugentar o Vovô Natal, forma inocente de se referir ao Papai Noel no começo do desenrolar – ou enrolar? – das palavras. Pede regalos, mas o tomando em seu regaço, a doce e feminina voz dos contos de fadas de tantas noites explana mais uma vez que apenas de ornamentos tratam-se, e que os verdadeiros seriam trazidos pelo Vovô Natal somente após a Ceia, já intencionando colocá-lo embaixo de seu leito durante o angelical repouso, para ao despertar, diante da surpresa, fomentar a salutar fantasia de que veio em seu trenó puxado por suas nove renas e o deixou ali, já que o pequeno repousava; e que havia deixado um abraço, pois havia sido um bom menino e merecia o que recebia! E com os olhinhos a cintilar qual sideral pincelada pontilhista, começa a se deliciar sonhando com o ledo e encantador conto do “bom velhinho”!
 
Apressada, passa aos preparativos para a Ceia. Em puerícia época da vida, tem-se todo o tempo do mundo, e em tão grande quantidade, parece que se estende insuportavelmente; mas ao deixar essa nostálgica época, a escassez e brevidade do tempo fazem com que passe lépido diante dos olhos. Com a mesa farta e a decoração modesta, ligeiramente chega a hora da Ceia, e afoita a consultar o oráculo das horas, passa a se preocupar com a conjugal ausência e com os vaticínios do temor! Os dedos trêmulos teclam a chamada da aflição, e uma suave canção natalina ressoa da alcova. Em um átimo lá chega, e vê o "telégrafo falante" – agora em versão móvel – de Meucci vibrante sobre o leito, junto à troca de roupa que ela viu sair caminhando por aquela porta pela manhã. Sem entender, um novo teclar, dessa vez para o local de diário labor: havia deixado o recinto quatro badaladas antes, como acordado pela manhã. Desconcertada, nota que muda alguma de roupa foi usada, e deixa a alcova.  Ao ser indagada sobre o paradeiro paterno, dá o lacônico informe de que voltaria a ficar com a vizinha vovó enquanto tardava a chegar. Relutante e em prantos é deixado aos cuidados da experiência, suplicando pelo sonhado regalo – só com isso se preocupava!
 
Apavorada, sai à procura das autoridades, que pedem para aguardar um certo tempo que de certo nada tinha, pois o marido nunca havia feito algo parecido, e nem o faria em uma noite tão especial, então, seu coração e sua mente a atormentavam com a certeza de que nada estava certo!  Desesperada, perambula por toda a noite pelas ruas do medo e da desolação à procura do amor, sem sucesso – as amizades laborais nada sabiam do tácito e carrancudo cônjuge. Vem o crepúsculo matutino a preparar o degradê da pintura solar, e se vai todo o natalício dia em novas e infrutíferas buscas até o crepúsculo vespertino, desbotando o dia em degradês para o prateado lunar pintar. E só então se lembra do rebento, e imediatamente vai ao seu encontro! Ele dormia, e lá dormiu também, por insistência da compadecida boa velhinha.
 
A aurora anuncia o nascimento de mais um dia, trazendo ao coração desalentado um hálito enevoado e fresco de esperança, mas após mais um dia de frustradas tentativas pelas ruas da aflição e da apatia, finalmente se rende à exaustão, busca o infante e regressa ao lar. Diante do pueril questionamento pela paterna ausência, um engodo curto e simples: – Ele viajou e em breve regressará! Melancólica e com o ânimo e as forças exauridas, incendeia a lareira – já que isso não mais afugentaria o “bom velhinho” – e desaba sobre a macia poltrona, ficando ali por um tempo. Questionada quanto ao presente, diz que o Vovô Natal o deixou e se foi, pois na triste morada apenas pó encontrou, e vai buscar o tão cobrado regalo, mas para sua surpresa, não o encontra! Passa a uma busca frenética pela casa, mas nada encontra. Desconcertada, senta-se à mesa da copa para um novo alento, quando ouve a terna voz a se queixar de fumaça e de um odor fétido. Ao se acercar a sala, sente um cheiro de morte junto a um cheiro de assado. Logo se lembra do peru que havia colocado no forno para a malfadada Ceia. Corre para a cozinha e ao abrir o forno, o odor pútrido causa náuseas, e antes que comece o asseio da finada Ceia, lembra-se da fumaça, então célere se dirige novamente para a sala! Apaga a lareira e, envolta em cinza nuvem, fica a pensar na razão pela qual a fumaça saiu pela lareira, e quando o vestido é puxado e o presente novamente cobrado, um raio lhe atravessa o peito e um sombrio pensamento nubla sua mente já em tempestade! Sem ar, com o peito e o ventre congelados, e com as pernas tremendo, cai de joelhos e se arrasta em direção a lareira, mas como ainda estava quente e esfumaçada, nada conseguia vislumbrar e quase desfalece! Em desespero, chama então aos Bombeiros, que rapidamente chegam e procuram averiguar a tétrica suspeita. Entalado e asfixiado, já estava morto antes de ser defumado qual saborosa iguaria para o banquete da Morte! Com um grito lancinante, a mãe cai por terra diante do filho, que ao ver o corpo do pai ser retirado da chaminé, chamuscado e fumegante, vestido de Papai Noel e portando o seu desejado presente de embrulho vermelho sangue, descobre da forma mais horrenda possível que PAPAI NOEL NÃO EXISTE!
 
FIM
 
 
A TÍTULO DE EPÍLOGO, posso dizer que os dois pais do menino morreram junto com sua infância e seus sonhos, todos levados pelo Espírito Natalino – os maus o conhecem como Krampus, e os bons como São Nicolau! A mãe nunca se recuperou. O menino cresceu acreditando que Krampus o havia presenteado com o que merecia, por ter sido um mau menino, e passou por vários hospitais psiquiátricos na Alemanha. Seu paradeiro hoje é desconhecido, o que inspirou uma Lenda Urbana muito conhecida por lá: O Flagelado Fumegante! Segundo a lenda, você sempre deve deixar a lareira acesa na noite de Natal, senão o Flagelado de Krampus entra pela chaminé e mata seu pai quando ele estiver dormindo. Coisas de criança, mas por via das dúvidas, um conselho: ACENDAM SUAS LAREIRAS!!! FELIZ NATAL!!!

 
Julia Lopez
27/12/2012


Nota sobre a foto: imagem da internet sem identificação de autoria. Busco exaustivamente a autoria de cada imagem, mas nem sempre a encontro. Caso alguém conheça sua autoria, por favor, me informe para que eu possa identificar a imagem e dar o merecido crédito ao artista!


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Julia Lopez
Enviado por Julia Lopez em 16/03/2013
Reeditado em 11/01/2024
Código do texto: T4191149
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