Caosfera

Cabeças já começam a subir, voando. Voam feito balões, sem extensão, apenas com aquelas formas redondas e com pingos de sangue que caem da base, mas que de longe, nem conseguimos identificar. As ondas do mar, trazem carros, que são lançados nas areias de algumas praias, causando um engarrafamento sem motoristas que possam reclamar. Alguns pássaros, desviam das cabeças voadoras, enquanto outros, se alimentam delas, já que todo objeto voador tende a pousar em algum momento. Uma barata percorre a cavidade de um crânio, saindo pelas órbitas. O som do vento parece um uivo de lamento, espalhando as cinzas de um vulcão já extinto. O incêndio ocorre na mata densa, com espécimes sucumbindo, diante da fumaça negra que invade-lhes os pulmões. As labaredas são vistas a longas distâncias, como alto-fornos incessantes. A música, extinta, dá lugar ao som da devastação, com madeira estalando, fogo consumindo, vento chicoteando. Pegadas foram deixadas na areia. As ondas ainda não as apagaram.

É quase noite, já que o céu se enegrece. Penas pairam no ar, suspensas e leves, indiferentes às forças da destruição. As rochas mantêm sua firmeza de caráter, com aquela expressão dura diante da catástrofe, como se não estivessem sendo desgastadas. Os arco-íris escassos. Rios de leito sujo, com corpos que navegam seu leito, feito embarcações de carne, que servirão de pasto a alguma criatura sobrevivente. Os peixes fazem parte do morticínio, apodrecidos e levados pela correnteza. Árvores tombam, como deprimidas oferendas ao solo furioso. Em alguns momentos, fendas enormes são abertas, engolindo o que há e fazendo sumir, submergindo a matéria no magma que aquece o centro do planeta. Abalos sísmicos, que parecem trovões vindos de baixo, causam arrepios nas montanhas geladas, fazendo com que a neve escorra, em catarata de avalanche. O sol é um olho que pisca, desejando apagar-se de vez, feito uma vista cansada, só iluminada pela catarata que envolve o cristalino. Vez o outra ocorre chuva de corpos, com aves, morcegos e outros seres doas ares, sendo arremetidos em grande quantidade ao solo.

Grandes bocas são abertas em montanhas, dando a impressão de um sorriso monstruoso e maligno. A calma dos mares foi afetada, sendo possível observar os seres profundos, regurgitados para a superfície ou formando imensos tapetes de cadáveres, como ilhas efêmeras. Uma criança parece dançar nas dunas. Apenas ilusão, já que o vento gosta de bailar, por ser um dançarino inveterado. As próprias raízes e outras formas de vegetação rasteira, parecem afrontar os que passam por cima de suas evoluções, em vez de servirem como tapete. São verdadeiras madeixas de górgona, que picam, com intuito de petrificar os andares. A chuva, quando cai, é de uma violência, que extingue o que deveria auxiliar a revigorar. Suas gotas ácidas, consomem a vida e inundam os poços da esperança, matando-os afogados e produzindo posteriormente, um lodo pestilento, que sepulta o último sobrevivente que ali habitava. Vulcões cospem tão alto, que seu vômito de larva atinge distâncias impressionantes. Como se a Terra fumasse, soltando grandes baforadas, espalhando sua brasa e cinzas após longas tragadas.

Uma formiga, fossilizada em um tronco caído. Novos estrondos. Como se meteoritos caíssem em determinadas regiões. A onda de destruição varre longas distâncias. O gelo das calotas polares, desfaz-se ligeiro, tendo amenizar a fúria de Hefesto. Barcos, antes encalhados, se desprendem das camadas de gelo e seguem seu curso, desfazendo-se feito embarcações de papel. Os grandes coletivos, estão reunidos em grupos variados, já que uma alcatéia de corpos lupinos, vem acompanhada de cervos, leões, zebras, crianças e outros tantos grupos, que foram classificados de forma distinta. A morte aproxima. São todos corpos, misturados e apodrecendo juntos. Demarcam um território, o da extinção. Vez o outra, alguma aranha sobrevive, tecendo sua teia, que frequentemente não consegue aprisionar alimento, sendo obrigada a explorar grandes áreas, em busca de sobras. Meia mosca já lhe serve, ou até menos. As metrópoles estão lá, em escombros, feito ruínas de outrora. Alguns alimentos, como certos enlatados com conservantes, ainda duram um pouco mais. No fim, todos se rendem ao poder da decomposição. Ainda é possível ver um rosto na janela de vidro embaçado. Mas não passa de uma fotografia colada, que esconde o rosto de mulher atrás daquela fachada. Os olhos, ainda abertos, sem vida, são de uma opacidade melancólica. Os cabelos desgrenhados, caídos sobre o peito, as mãos juntas, como se fizesse uma prece. Tudo está no seu lugar. Pelo simples fato do caos, representar uma outra ordem.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 13/03/2013
Código do texto: T4185894
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