Olhar Passante

É dia, de caminhar por entre ruas desertas com gente. Observando passando, todo aquele que fui e que nunca será, enquanto eu estiver aqui. Já são quase tantas horas. Ainda assim, passo a passo, rabisco a calçada, com meus pés calçados, que deslocam aquela porção de poeira que o vento faz dançar. Pássaros, pousados sobre meus ombros, demonstravam sua falta de perspectiva, escorados nesse espantalho móvel. Não passo de uma ruína, que se ergue, sobrecarregado com esse peso que me faz afundar no terreno pantanoso. Mãos dessa areia movediça humana, no desespero por auxílio, fazem-me de rampa frustrada, e com isso, sugam-me para suas entranhas do medo. Evito dormir nesse cama de faquir, onde as pontas estão à espreita, desejando me perfurar. Um sonâmbulo que possui olheiras tão profundas, que a simples visão dos teus negros olhos, faz com que o observador, caia em sinistra depressão. Um labirinto que se faz poço.

Na primavera, abri meus frutos mortos, com intuito de deixá-los sucumbir de vez, já que seria o despertar da morte. Os defuntos são tão vivos, fazendo-se de elementos ativos, saltando dos túmulos e tornando a realidade fúnebre. O sol já escurece, por conta de um eclipse de constrangimento, diante das sombras que envolvem o que há. São tantas camadas, que nos perdemos em meio a fumaça, como espectros dessa poluição. O beijo foi tão longo, que se reverteu em asco, abocanhando a inocência e tornando-a um vício desgostoso. Marcando a sola dos pés, pisando nas pedras pontudas, que deixam o trajeto mais árduo e o tato mais atuante. O peito desabrocha em forma de rosa negra, com pétalas escuras, que comprimem a cada batida, deixando o sangue grosso, obstruindo artérias. Se me cortam, não escorre mais aquele líquido costumeiro, sinto esfarelar. O pó cai, feito o movimentar de uma ampulheta. Espalhando no mundo, como aquelas esferas celestes, que ornamentam o céu noturno. Não passo de sujeira em solo diurno.

Toco a mão, deste pequeno ser. Não mais criança. Apenas, falecimento da esperança. Ele está abandonado, porque eu o abandonei. A separação drástica, promove a devolução do abandono, pois me sinto agora rejeitado. Minha sarjeta é fértil, não faltando oportunidades de prosperar na miséria. Já anseio pelo inverno, já que a primavera é cruel e o verão promete ser infernal. Apuro os ouvidos e procuro captar aquela canção que um dia fez meus olhos minarem. O coral é de gritos, que apesar de cessado o vozerio, permanece na mente, como eco infinito. Abro a janela da face e encaro as avenidas, que possui frenéticos movimentos paralíticos. Quase desperdiço um beijo. Mas detenho o ato, pois me vem a memória, o quão doloroso é o ósculo. Só concedo mais uma projeção. A fúria do projétil, que atravessa o túnel frio, percorrendo um curto caminho, iniciado com o estrondo da pólvora, que é o fogo que purifica. A fronte recebe e hospeda, aquela migalha, que interrompe esse olhar, fazendo-o repousar, sob o peso das pálpebras cerradas.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 01/03/2013
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