Os Cadernos do Crime
Aprisionado na penumbra do ambiente. Amparado por uma luminária fraca. Observa as restas dos objetos que fazem sombra projetada na parede branca. Sua própria sombra afronta-o. Abre os cadernos, revelando o conteúdo. As diversas figuras, misturadas e coladas, conforme o destino lhe enviava as reportagens, não importando o teor. Colecionava as imagens que lhe chamavam a atenção, tanto de pessoas, quanto de objetos, arte, animais. O que impressionava, era cuidadosamente retirado, feito uma delicada operação. Depois, colava sobre as linhas do caderno sem escrita, compondo assim, um livro de recortes. Com o tempo, muitos trechos se tornavam amarelados, feito uma ferrugem que toma conta do papel, com aquele típico aroma de mofo. Apreendia aquelas falsas vivências, mantendo-as sob sua tutela. Pensava no quão era engraçada aquelas existências, expostas e roubadas de onde outrora pertenciam.
Já acumulara pilhas de cadernos, todos repletos das figuras que conseguia obter. Apesar do desejo incessante de colecionar, ainda sentia uma angústia, algo que ainda não o completava por completo. Em dado momento, criara também murais, onde cobria as paredes da casa de classe média baixa, com todas aquelas informações visuais. Sentado em uma praça, lendo Dostoiévski, deteve-se a observar uma moça que sentava no gramado. Era jovem, de corpo bem magro, com feições de menina, vestindo-se de forma bem infantil, com meias bem coloridas, que apareciam por ex por as pernas, já que vestia uma bermuda. Sem se precaver muito a respeito do que desejava, fora acometido por uma ânsia, que executara de imediato. Acertando a cabeça da jovem com uma pedra, sem tempo de reação. Arrastando o corpo, em plena luz do dia, por entre as árvores. Apesar da adrenalina, pouca se importava se fosse pego por aquilo.
Atravessara a cidade em seu carro, transportando no banco traseiro, aquele corpo desmaiado. Dentro da garagem de casa, retirou a jovem, transportando-a para o quarto, onde pode cortar-lhe a garganta com uma faca de cortar carne. Conseguiu ver os olhos abrindo assustados e corpo logo em seguida, se entregando. Esquartejara o corpo. Achara os pequenos seios, belíssimos, o que fez com que os expusesse no seu mural, bem como os olhos, que eram de azul de topázio. Saíra para as ruas, depois de um demorado banho. Após deixar a água lavar-lhe o corpo coberto de sangue alheio e deixar fluir para o ralo, aquele contraste em sua pele clara. Na vizinhança, convencera uma prostitua a fazer um programa. Argumentara que morava próximo. Ao entrar em casa, enquanto a mulher, — após lhe colocar o preservativo no pênis ereto — chupava-lhe o órgão, acertara um forte golpe na cabeça da desconhecida, com um troféu que recebera em jogos estudantis. a mulher, tentando resistir, antes que pudesse gritar, recebera mais uma série de golpes, caindo morta e com o crânio deformado.
Mais uma vez esquartejava uma vítima. Arrancara, as volumosas nádegas, o nariz, a boca. Todas as partes, expostas no seu macabro mural. Conseguindo assassinar mais duas pessoas. Um garoto, filho do seu vizinho e uma senhora idosa, que caminhava pelas proximidades. Os vizinhos, desconfiados com o horrível aroma do lugar e a movimentação suspeita de pessoas em uma casa, até então, vazia de visitas. As autoridades arrebentaram a porta principal, encontrando o espetáculo que fez com que os dois primeiros policiais passassem mal. O indivíduo não resistiu a prisão. Sendo levado em custódia e quase linchado pelos moradores da vizinhança. Na cela coletiva, acabara sendo estuprado algumas vezes. Nunca resistira aos maus tratos dos companheiros de cela. Em uma rebelião, que ocorrera em um período próximo ao seu julgamento, que incitou a mídia e abalou a opinião pública, ficou sabendo que seria morto. A polícia invadirá o sistema carcerário no exato momento que seria retalhado. Sendo salvo e resgatado, enviado a outro presídio.
Em certa confusão de processos. Acabou sendo solto por engano. Mudou-se de região, casou-se, sua esposa ficou grávida duas vezes. Sempre trabalhou em empresas que não o registravam, assim mantinha velada sua história. Mudou seu visual, a documentação conseguira falsificar pagando certa quantia. Um dia, saindo de casa, com os filhos, resolveu retornar em casa, para buscar a carteiras que havia esquecido, sendo atropelado por um carro. A gravidade do trauma, comprometeu sua capacidade motora, já que afetara a medula. Vive em uma cama de hospital público, aos cuidados de enfermeiros, a família pouco visita, quase nada pode se fazer, foi o que relatou o laudo médico. Já se passaram meses, o corpo começa a formar escaras, apodrecendo vivo, sentindo fortes dores. Na U.T.I. em que se encontra, já escutara algumas vezes, quando estava em estado semi-acordado, médicos dizendo que deveriam apressar sua morte, já que o custo para uma pessoa de baixa renda é muito alto para o hospital e sabe-se que se quadro é irreversível. Espera o dia que anteciparão. Todo dia é essa longa espera e horas de dor. Um estuprador fora executado em seu lugar, ninguém percebera o equívoco com a papelada. A família parou de visitar, aguardam apenas o último telefonema. O tempo segue, lento e calmo.