Casado com a Morte

Casado com a morte

Sebastião era um homem muito bonito. Tão bonito que todas as moças solteiras e casadas de sua cidade caiam de paixões por ele. Ele poderia ter a que quisesse com um simples estalar de dedos. Mas Sebastião nunca se interessou por absolutamente nenhuma das mulheres que conhecia. Até se aventurava de vez em quando com algumas delas para fugir da solidão, mas nunca se apaixonara. Por nunca querer nada sério, partiu o coração de dúzias de mulheres. O que antes era amor se tornava em ódio agora. Ódio esse que fez Maria Lúcia rogar uma praga contra Sebastião e o mesmo caiu em enfermidades desconhecidas, não demoraram quatro ou cinco dias para o rapaz começar a definhar. Muito logo se falou que a morte do formoso homem se aproximava. Maria Lúcia inicialmente contente com a realização de seu desejo, agora chorava de arrependimento. Na cidade não se falava em outra coisa. Sebastião ia morrer. Nenhum médico sabia dizer o que o homem tinha. Muito menos uma cura foi possível de se encontrar. Em uma noite cinzenta, a hora chegou. A morte caminhava em passos ligeiros em direção à casa do pobre homem. As ruas estavam vazias e silenciosas. A morte adentrou a casa de sua vítima que já esperava por ela. Quando entrou no quarto do moribundo, já erguendo sua foice para ceifar para sempre a alma do infeliz, algo a fez hesitar. Sebastião abriu os pesados olhos e viu a morte em sua frente. Ela tinha aparência de uma belíssima mulher com vestes pretas, ela era uma bela mulher! O olhava com expressão de enorme admiração.

-Você é a criatura mais bonita que já vi neste mundo.- disse a morte.

Sebastião acreditava agora delirar, mas depois de abrir e fechar os olhos três vezes. Viu mesmo que estava sendo observado pela própria morte e que ela também estava deslumbrada com sua Aparência. Ele nunca fora modesto, sabia perfeitamente o quão bonito era. Era narcisista e tinha orgulho de sua aparência.

-Você é a morte, não é?- perguntou Sebastião.

-Sim, a própria. Aquela que desde os tempos mais antigos presta à humanidade o maior dos favores, o findar de suas piores dores.

Sebastião se arrepiou ao ouvir estas palavras. A morte aproximou-se e sussurrou em seu ouvido:

-Você sabe que a sua hora chegou, não sabe?

-Sim eu sei. –respondeu trêmulo- Nunca imaginei que minha carrasca seria uma mulher tão bonita.

-Carrasca? A vida é um castigo, eu sou a sua libertação. - disse a morte.

Sebastião sorriu amarelo, sentindo que dava seus últimos suspiros. Viu a Morte aproximar os lábios dela dos seus. “Que bela maneira de morrer”, pensou. Fechou os olhos. Sua dor passou. Lentamente voltou a abrir os olhos. Estava lá ainda. Vivo. Com a morte sentada ao seu lado.

-Eu já morri?- perguntou ele, sentando-se.

-Não. Não morreu ainda. Não posso fraquejar por um humano. Não depois de tantos milênios cumprindo perfeitamente minha tafera. Mas, você me lembra um anjo. Já te beijei. Não tenho outra opção senão levar sua alma.

A indecisão da morte começou a perturbar Sebastião. Sem pensar muito, pegou na mão gélida daquela “mulher”, e disse:

-Não me leve, por favor. Deixe-me viver mais um pouco.

Ela segurou sua outra mão e disse:

-Desculpe. Já é tarde. Sua alma já me pertence.

Agora apavorado, Sebastião estremeceu e falou:

-Case-se comigo!

-Você sabe o que está fazendo? Está propondo a Morte em casamento.

Sebastião tocou-a suavemente nos lábios com o dedo indicador, beijou-a e ali fizeram amor. Ali se cumpriu o proposto. Ele estava casado com a morte.

***

Na manhã seguinte, soubesse que Maria Lúcia havia falecido naturalmente e que Sebastião havia se curado repentinamente. O povo tinha certeza que era um castigo divino à mulher que rogou a praga. O feitiço havia voltado para a feiticeira.

Toda noite, por volta da meia-noite, Sebastião recebia em seu quarto a visita de sua esposa. A Morte ficava cada dia mais fascinada pela beleza do rapaz. Ele também a achava muito atraente. Os dois pareciam ter sido feitos um para o outro. E podia-se até dizer que estavam apaixonados.

Na rua, Sebastião chamava atenção. Sua cura repentina era surpreendente. Estava forte, saudável e mais bonito, como nunca estivera. Por isso, continuava a chamar ainda mais a atenção de mulheres, casadas e solteiras.

Numa quarta-feira de sol, Sebastião teve uma recaída, levou sua prima Madalena para as cachoeiras aonde iam desde adolescentes. E lá fizeram o que já era costumeiro. Não demorou muito, a mulher apareceu morta no quintal de casa, havia se afogado na bacia d’água onde lavava roupa.

Nos cinco primeiros meses de casados. Todas as mulheres que se aproximavam de Sebastião com segundas intenções morriam. Não demorou para que Sebastião fosse relacionado às mortes de forma indireta. O homem que carregava a morte nas costas.

-Amor, tenho um pedido a fazer.

-O que você quiser, Sebastião.

-Eu quero que você pare de matar. Pode continuar com seu trabalho, mas não quero que mate pessoas daqui.

-Quando você me propôs em casamento. Deveria ter imaginado o peso que carregaria. Eu sou a morte. Tirar vidas, é o que faço.- disse a morte ofendida.

Mas os ciúmes dela só foram aumentando. As mulheres agora tinham medo de se aproximar de Sebastião para qualquer coisa. Evitavam cruzar o olhar com o daquele belo rapaz e não demorou a que os homens também temessem o esposo da morte. A vida social de Sebastião estava morta. Mas numa quinta-feira nublada, o que já era absurdo, atingiu proporções insuportáveis com a morte da irmã de Sebastião. Ele então tomou uma decisão, poderia não dar certo, mas foi cegado pelo ódio. Amava sua família mais que tudo. Quando depois da meia-noite, a sua amada chegou para visita-lo, ele a esperava na dispensa de sua casa.

-O que você está fazendo aqui? Perguntou ela.

Quando ela se aproximou dele, sem dizer uma palavra, Sebastião saiu correndo do cômodo e trancou a porta.

-O que você está fazendo?- gritou a Morte para seu marido. Não pode me deixar presa aqui.

Mas não era o que aparentava. A Morte dali não saiu, gritou, esperneou, chorou e falou mal. Até que viu que era inútil rogar a Sebastião para que a libertasse, e pensou:

“Devo obedecer meu marido e ficar aqui. Mas logo ele verá as consequências de me manter cativa.”