Névoa

Esse lugar. Um prédio. Talvez fosse apenas uma casa grande. Caminho como se não tivesse fim. Minhas pegadas não deixam marcas no piso gelado, apenas aquele breve esquentar do pé, abafado pelo ar gélido que emana do solo. Não sei se aqui habita gente, pois é desumano o ambiente. Deprimente, eu diria. Queria dizer sobre o que é, mas apenas consigo sussurrar um pranto em forma de gemido. Pareço ter lavado muita louça, já que as mãos fedem e estão quase enrugadas. Se encontrasse alguma outro paciente, já que pareço fazer parte de alguma internação, me sentiria menos atormentado, por conseguir enxergar outro olhar, ainda que desespero. Piso uma, duas, três vezes. Chega de contar os passos, prefiro enterrar a cabeça em algum travesseiro, ou arrebentá-la contra uma parede dessas. Tão limpas que me dão nojo.

Canto na minha cabeça. A música é melancólica. Uma festa de tristeza que se instala em um peito que bate como um sopro fraco. Um brinde a minha monotonia. Nada de álcool, apenas o abafado do pensamento oco, que ecoa nesse vácuo cerebral. Ando pelos corredores. Percebo que é de dia, pela claridade que surge das janelas enormes de vidro. Ainda assim, não enxergo nada. Uma névoa invade todo o lugar, como um gás preso, uma neblina densa que me deixa cego. Vou tateando as paredes, com os pés descalços que arrastam, perscrutando cada milímetro. O receio do que posso encontrar nessa escuridão branca. Cada movimento desvenda um mistério, que é o mesmo nada do início, com a sensação de algo que me espreita. Continua a falta de pessoas. Para que falar, se as palavras de nada adiantam. Não podendo sequer me retirar dessa situação inusitada.

Tenho a lembrança de conhecidos. Essa é minha forma de fazer aparecer gente. Nenhum interruptor ou algo que possa dar indício de quem controla esse cárcere. Eu posso ser vítima e algoz ao mesmo tempo. Passo a mão no vidro embaçado e vejo aquele cão, atacado por um veículo. Em seguida, o animal arrasta as pernas traseiras, sem latir, apesar da dor e da pancada, com a boca aberta e a língua vermelha de sangue. O bichinho ferido, atravessa o canteiro que divide as pistas, na tentativa de fugir da morte que é eminente. Quem sabe, apenas morrer em paz, em um canto mais sossegado. A vida é essa desgraça em que não podemos interferir. Esse papo de livre arbítrio é a maior palhaçada. Um dia a gente escorrega em uma uva e pronto, já era. A gente adora estar no controle, mas somos apenas controlados, o tempo todo, por coisas tão idiotas, que fazem pensar, que se existisse um deus, ele seria retardado. Gostaria de estar ouvindo um Beethoven, quem sabe poderia dar uma maior tragicidade a essa cena louca.

De repente, as pessoas surgem. Indiferentes. Como se tudo que ocorreu, fosse algo inexistente. Antes, desejava ver olhos. Agora, os abomino. Eles refletem um asco medonho. Nada disso é humano. Malditos fantasmas, que perambulam em corpos de carne, se fingindo de gente. Se essa neblina fosse inflamável, teria prazer em acender o pavio e mandar tudo para o espaço. Queria ver se esses rostos iam ficar indiferentes diante do fogo, queimando-os. Tudo é ilusão. Quando a névoa dissipou eu não Saberia identificar. Só nos damos conta quando estamos cegos, que voltamos a enxergar. Quando se tem fome, importa comer. Agora comi demais esses olhares nojentos, a ponto de estar quase explodindo, desejando vomitar de volta neles, esse alimento indigesto que me forneceram. Começo a contar para que consiga acordar. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte e um, vinte e dois... Horas depois... 1.569.638.127...

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 09/02/2013
Código do texto: T4131193
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