Anúncio de Morte
Acordara em uma manhã qualquer. Talvez fosse tarde, já que o sol parecia forte e o horário havia sido ignorado ao despertar. Caminhando entre cômodos mal iluminados, com restas de sol se insinuando por frestas alcoviteiras. Olhos parados diante da parede, contando os pequenos furos que restaram após ter retirado alguns pequenos quadros, que se espalhavam pela casa. Seria bom um cigarro, mas não fumo. Acende apenas a boca do fogão, deixando a água ferver para preparar seu café, amargo, forte. Bebe vagarosamente o café, sentindo aquele aroma de tabaco. Talvez seja o vizinho, que com sua tosse matinal, acaba ainda assim, acendendo um cigarro, pois esse é seu desjejum. A sua dispensa quase vazia, com alguns pacotes de macarrão instantâneo. Bebendo um copo de água gelada. Sempre faz isso após tomar algo quente.
O lençol da cama embaraçado. Porque arrumar a cama se a desarrumamos todos os dias? Fazemos coisas tão estúpidas. Tira a cueca e cheira, sentindo aroma de bunda e saco. Entra no chuveiro, deixando a água fria arrepiar-lhe os pelos, sentando no chão do box. Escova os dentes, salpicando creme dental no espelho embaçado. Abre um romance de Dostoiévski, se entedia. Cada página lida, parece uma obrigação enfadonha. Escuta o som de um inseto. Uma vespa, que presa, choca-se de encontra ao vidro da janela da cozinha. Sem piedade, borrifa o inseticida por algum tempo, observando o bicho se debater até cair dentro do ralo da pia e seu zunindo ir diminuindo até sumir. Mais um copo de água gelada. A mão esbarra na garrafa próxima a beirada da pia, que cai e se espatifa, deixando fragmentos de vidros espalhados por todos os cantos. A cor vermelha da garrafa, faz com que os fragmentos espatifados, façam um contraste que até parece decorativo, junto ao piso.
Escuta palmas. Resolve não atender. Agora o som que ouve, é dos vizinhos fazendo sexo. A mulher geme alto, não se sabe se para impressionar o marido, chamar a atenção da vizinhança, porque é seu estilo quando sente prazer, ou todas as opções ao mesmo tempo. A vizinha não é sedutora, não me recordo de causar qualquer excitação. Mas ouvir gemidos e presumir sexo, isso acaba causando alguma ereção. Por isso abro o jornal, como é de costume, embora já tenha deixado de pagar a assinatura faz algum tempo. Insistem em me mandar diariamente as notícias. Folheio os classificados e me detenho na coluna de obituários. Vez o outra leio esses anúncios, talvez por uma curiosidade mórbida. Me deparo com meu próprio nome ali. Será que existe essa coincidência de homônimo? Isso pode ser alguma espécie de brincadeira ou equívoco. Ainda estou vivo, sei disso.
Ando pela casa com o jornal na mão. Escuto a tosse do vizinho. Vozes na casa vizinha, mas sem sexo. Tudo parece a mesma coisa. Exceto minha condição de morto. Na verdade meu nome que foi dado como de um falecido. Será que podemos matar um nome de uma pessoa viva? Se a morte fosse essa figura caricata que é apresentada em filmes e desenhos, ela, tendo bom humor, seria capaz de uma excentricidade dessas. Conhecidos podem ter lido a notícia, crendo que eu esteja morto. Um encontro comigo lhes causará surpresa. Vivo tão só, que acho improvável que alguém procure saber a respeito, ou mesmo se recorde de que esse é meu nome. Vou queimar o jornal, aguardando os próximos dias, na expectativa de que algo aconteça. Algo sempre acontece. Mas se morrer, não poderei desfrutar disso, pois será algo abrupto. Por via das dúvidas, recorto de colo na parede a parte do obituário que me coube.
Abro a gaveta do móvel, onde costumo deixar uma caixa de velas e outra de fósforos, para falta de energia. Encontro um maço de cigarros, aberto e com cheiro desagradável. Alguém deixou ele ali. Quem sabe já fumei e não me recordo. Acendo um. O filtro branco já está amarelado pelo tempo. Dou uma tragada e começo a tossir. Minha tosse é menos feia do que a do vizinho. Agora estão fazendo sexo. Sento próximo à parede e escuto. Solto baforadas dentro do quarto com a janela fechada, aprisionando a fumaça. Resolvo tomar uma providência a respeito de minha condição de pré-morto. Armado com uma faca de carne, corto os pulsos. O sangue escorre enquanto os vizinhos fazem sexo. A mulher geme alto e eu escorro em gozo sanguíneo. Esse foi meu orgasmo de morte, caído até desmaiar. Sem forças, aguardando que o cheiro de podre, faça encontrar meu cadáver. No outro dia, o jornal retificava o obituário, se desculpando e alegando que, uma pane no programa do cartório, fez com que um nome fosse publicado equivocadamente.