Os Pássaros

Voando, sob um céu púrpura, animais, com suas asas sem penas, portando extensões que os fazem planar, feito morcegos. A morte, fragmentada, que distribui-se em proporções esvoaçantes. Sons que saem das criaturas que cortam o ar, em voos violentos, como lâminas a ceifar essa atmosfera sanguinolenta. Talvez o sangue dos céus, seja consequência dessa brutalidade, que mutila o espaço, rodopiando. Abutres que sobrevoam os não inocentes, que já sabem de alguma forma do seu trágico destino. Basta um olhar rápido para o alto, que o desespero toma conta dos transeuntes, que caminham nesse poço raso da angústia. Bêbados, tomam seus drinques repetidos, caindo nas sarjetas na tentativa de antecipar o encontro com os agentes da morte.

Um canto é escutado, repercutindo por uma extensão finita e impensável. Estridente a ponto de trincar vidros, espatifar cristais e horrorizar tímpanos, que sentem as vibrações como açoites auditivos. No ato sexual, a depressão por contribuir como novos desesperados, que irão nascer nesse pequeno grande inferno. O sexo sem procriação, não é menos terrível, já que faz a imaginação buscar esses atrativos monstruosos, com insinuações que fazem vez ou outra, alguém atentar contra a própria vida. As sombras flutuam, formando uma névoa funérea, que se avoluma em redemoinho, a ponto de evoluir para um furacão, que esfacela tudo que se atreve a cruzar seu caminho. São quase sereias, sem o sexo ou qualquer outra estética que identifique um gênero. Vibrando nas nuvens, tornando-as sinais de velas apagadas. O céu é um segundo Inferno, não existe Paraíso.

É possível deduzir. Não são anjos, mas sim corvos. O sol foi contaminado, expondo raios tímidos, que quando conseguem brevemente expandir além dessa bruma nefasta, acaba sem do de um reflexo sombrio, beirando o opaco. O chão parece fluídico, fazendo com que os pés vacilem a cada passo. Um precipício está ao lado de cada pegada. As próprias órbitas, tornaram-se túneis, que captam esses vaga-lumes invertidos, que só escurecer a luz, a cada piscada. Mãos tentam amparar alguma sobra, que poderia se desprender destes seres. Mas o gesto de acolhimento é inútil, restando apenas migalhas de um vazio que pousa suave e tristemente nas palmas esquecidas. Bocas gritam, pelo desejo de preencher essa fome de pronúncia, que é insaciável diante do infortúnio. Misturados, não deixam que captemos a quantidade, sua forma é de turbilhão.

De repente, um deles se desgarra. É possível ver o distanciamento, bem como a nitidez que causa com sua rápida aproximação. Antes mesmo de terminar um suspiro curto. Estava diante de mim, com sua aparência assexuada, trajando algo negro, que não pude identificar como sendo traje ou parte de seu corpo. Um manto que se estendia, ocultando pés, se é que os possuía. A face, de um negrume que causava pânico, me engolia de uma só vez, como um forte trago. Vi meu corpo rodopiar, espiralando para o que parecia ser o interior desse ser. Se acreditasse em alma, diria que essa sutil substância, havia sido aspirada. Mas o corpo chamado físico, fora conduzido do mesmo modo, feito fumaça inalada. Pensei em gritar, mas era tarde. A voz fora sufocada, restando apenas esse medo que cresce. Estou leve e vejo tudo do alto, como se o mundo fosse feito de brinquedo e pudesse contemplar esse teatro de fantoches vivos.

Ainda não sei, se sou um deles ou fui aprisionado. Não existem outros mundos, tudo é uma coisa só. Muda-se apenas a perspectiva, comigo tendo uma impressão em outro plano. Me tornei o que eles temem e eu temia. Nada mais me assusta, já que cheguei onde o pavor se encontra, mesmo que retorne, saberei a respeito do que antes desconhecia, o que é confortável. Devo estar girando, sei que eles fazem isso, ou era apenas um equívoco do ponto em que me encontrava. Os outros, que são o que eu era, antes de me tornar o que sou, são insetos agitados, o que pode ocasionar a inquietação desses que estão no alto, embora, agora estando aqui, talvez o baixo possa ser esta parte. Meus olhos deixaram de ver, sinto-os obscuros, a ponto de não saber quando estão abertos, creio que sou cego, por tempo indeterminado. O que suponho ver, são esses pequenos flashes, associados aos outros, aqueles aos quais eu pertencia. Nem mais uma fresta, tumular me tornei. O mundo acabou, porque não existo.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 05/12/2012
Código do texto: T4020766
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