A Morte

Andando, com seu manto escuro, sobre avenidas noturnas. Percorrendo os becos, tocando de leve a face de um indigente, que tomba sobre os jornais que lhe servem de lençóis. Sua face é escondidas sob as vestes,o que a torna mais sinistra. Diz-se ela, porque conceberam que assim como outrora a mãe gerava a vida, somente outra forma feminina poderia retirar o estado vivente. Talvez, se pensassem com mais critério, quem sabe atribuiriam um gênero masculino a essa criatura mortal. Já que o homem tem esse sentido estéril, de tudo ferir com seu falo, assim como esse deus único que tem reinado, que é responsável por tantas mortes em seu nome ao longo da história monoteísta.

O ser segue. Agora contemplando um parto sofrido em casebre humilde, onde a mãe, drogada, tenta fazer vingar um feto defeituoso. Apenas a brisa da passagem da Morte, faz o pequeno feto sucumbir, com a mãe em seguida, indo consumir sua pedra de crack. Com mais um gesto da fúnebre vigilante, a recente mãe, sufoca em overdose, contorcendo-se diante dos olhos das duas pessoas magras e castigadas, que ajudaram-na no difícil parto. Percebem a figura tenebrosa, mas nem ousam questionar do que se trata, estão acostumadas com o inesperado e bizarro. Um cão se aproxima, para saciar sua curiosidade a respeito do macabro ser, morrendo em seguida, pelo simples aroma que o olfato conseguira aspirar.

Em um bordel, no quarto com cheiro de mofo, duas prostitutas satisfazem um cliente, com risadas altas e fortes tragos na boca da garrafa de whisky vagabundo. Se entreolham com o misterioso visitante, mas não deixam de realizar sua orgia. O cliente diz que precisa de privacidade, indo em direção a quem os observava, fora atingindo por um ataque cardíaco. As mulheres, drogadas, continuavam a se esfregarem, até a crise de choro em seguida, com ambas pulando pela janela, que se encontrava aberta. Um suicídio duplo. Os corpos caídos na calçada, o grito dos jovens que se beijavam na esquina próxima ao incidente. Logo a viatura policial se dirigia ao local, com o mistério dos três corpos, com a dedução de que deveriam ter causado a morte do cliente e em desespero, se atiraram prédio abaixo. Nada de testemunhas com algo consistente.

Dentro do hospital, a Morte caminha entre leitos da Unidade de Terapia Intensiva, poupando os pacientes do sofrimento prolongado. Vendo idosos fecharem os olhos com tranquilidade, enquanto crianças acidentadas, tentavam resistir a esse sono eterno. Um atropelado fitou a face do espectro grotesco, o que explica a expressão de horror mantida em seu rosto, fazendo com que a família pedisse caixão lacrado. Caminhando ainda pelo setor de emergência, tocara a mão de um médico que fumava seu cigarro em um jardim de inverno, fazendo-o deitar-se sobre as plantas e sufocar fitando as estrelas de um céu magnífico. Policiais ainda tentaram interceder, ameaçando aquela figura estranha com suas armas, o que causou a morte instantânea de ambos, que miraram um contra a cabeça do outro e dispararam.

O mergulho de sua mão em um rio, fez com que tudo ali extinguisse. Plantas, peixes, até mesmo um garoto que nadava escondido dos pais. A Morte resolveu passear pelo mundo, com uma forma corpórea, fazendo com que aliviasse o fardo do planeta de portar tantas criaturas vivas. Fez um serviço de controle populacional. Um padre, diante da calamidade, rezava desesperado, até se confrontar com a figura que supusera maligna. Aquela que finda a vida, visitou os templos religiosos, deixando estendidos, os corpos de sacerdotes senis e coroinhas estudados. Até mesmo a guerra travada em comunidades chamadas de periféricas cessou, pois tombaram muitos, dos dois lados combatentes. A trégua fora imposta pela tragédia. As pessoas apelavam para a fé, mas pareciam não ser atendidas em sua súplicas.

Até que um dia, sem maiores explicações. Assim como veio, a morte foi-se. o período fora chamado de “Época do Quase Declínio”. Nada que afetasse os hábitos humanos. Continuaram os roubos, os assassinatos, os estupros, e todas as outras formas de violência e práticas abomináveis. Talvez pensassem, que era necessário prosseguir alimentando o desejo fúnebre da Morte. Alguns tentaram modificar seus hábitos, como novos santos de um mundo decadente, mas acabaram sucumbindo como todos os outros. Um intelectual escreveu sua tese, mencionando que aquela passagem, fora apenas um acaso, independente das ações praticadas. Não se sabe até que ponto, mas alguns estudos demonstraram que diminuíra a fé. Cada um vivia sua rotina, esperando o dia que teria sua vida ceifada, nada mais esperavam além desse golpe final. Contemplar o fim, faz com que se perca o sentido do mistério.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 25/11/2012
Código do texto: T4004183
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