Outro Sentido
Chega, com passos macios sobre o piso manchado. Caminhando de forma leve, com a inocência de todos nós, passivos do instante que há de se revelar. Sentada na privada, após abaixar a calcinha até os tornozelos, sente a urina escorrer, enxugando os pelos com um pequeno pedaço de papel. Um inseto se aproxima. Com o pavor da picada, pisoteia, mais não mata, deixando a criatura agonizante, debatendo-se em uma poça de água dentro do boxe. Levanta-se e senta no piso, abaixo do chuveiro, rodando a torneiro e fazendo a cascata de água cair sobre si, observando o inseto entre suas pernas, que quase chega a tocar-lhe os pelos, o que a faz arrepiar, utilizando a mangueira para escoar o pequeno mutilado até o ralo. Com a tesoura, apara os pelos da vulva, deixando-os cerrados.
Um estranho aparece na porta do banheiro, que encontrava-se aberta. O susto daquele olhar desconhecido, que contempla sua pele nua, exposta de forma tão tímida, reclusa a um canto de parede. Suspensa e lançada contra a parede, sente o órgão que penetra-lhe com força, arrancando gemidos contidos, com as unhas a arranhar o azulejo. As nádegas comprimidas pelo corpo que espreme sua carne. Dedos que tocam os lábios e penetram a boca, tocando-lhe a língua que deixa escapar um fio de saliva. A tesoura é expectadora, caída de pernas abertas, ainda mais arreganhadas do que as da mulher grudada à parede. O dedo grosso adentrando seu ânus, procurando acompanhar o movimento do pênis, em um ritmo de penetração. Não goza, apenas ele ejacula, fazendo o sêmen escorrer pelas coxas, que são inundadas pela água do chuveiro, que carregam as secreções.
Agora escuta a campainha tocar, fazendo com que tire os dedos de dentro de si. Pensa que deveria ignorar, continuando seu banho. A insistência faz com que se enrole em um roupão. Chegando próxima a entrada, não encontra nenhum orifício onde possa identificar de antemão, quem toca. Alisa a madeira da porta, contornando o desenho talhado na madeira, ao mesmo tempo, que desliza os dedos sobre suas próprias curvas, sentido os mamilos rígidos. Agora são batidas, como murros que parecem arrombar o apartamento a qualquer momento. O coração bate tão forte quanto os socos, o que faz cair sobre o tapete, contorcendo-se, tendo em seguida, espasmos violentos. Puxa os pelos da virilha, fazendo seus dedos de pinça, arrancando-os pela raiz, com uma série de tapas no próprio rosto, para que fique com a face ardida, vermelha e inchada.
Alguém gritou. Alguém sempre grita. E por causa do volume alto da voz alheia, refugia-se embaixo da cama, olhando o estrado da cama, alisando o colchão por baixo, como se fosse uma carícia por debaixo da mesa, imaginando que aquelas fendas da madeira, são como cavidades femininas, tendo uma série de vulva para tocar e suavizar com seu carinho. É picada nas nádegas, imaginando que deveria ser algum outro inseto, que estaria vingando aquele que ficara no ralo. Desejando que fosse um zangão, que desferisse o ferrão contra seu corpo, em um gozo de dor. Esperneia socando a cama por baixo. Deslizando para fora daquela contingência, cheirando suas meias, próximas a sapateira. Acendendo um cigarro e soltando baforadas curtas, como se fosse brevemente lhe faltar o ar. Não será ela quem irá gritar.
Escuta vozes, longe, abafadas. Abrindo mais os olhos, enxergando um corpo sobre o seu, naquele bosque quase deserto. A mão subia e descia, desferindo golpes contra sua cabeça. A umidade que aconchegava seu crânio, parecia sangue. Uma calmaria pairava no ambiente, podendo visualizar as folhas balançando com a força das rajadas de vento, como as formigas que já se banqueteavam entre suas pernas, servidas do sangue coagulado, caminhando por suas trilhas, algumas alcançando sua boca aberta. A língua fora picada diversas vezes, os dentes quase cerraram, talvez um ou outro inseto tenha sido mastigado. As vestes rasgadas e a memória, cada vez mais fraca, feito uma fotografia que vai se apagando com o tempo. Ainda existia um brilho nos olhos, que iam nublando cada vez mais, ate aquele outro corpo desaparecer, enquanto o seu permanecia, ali, imóvel, consumido pela natureza próxima que habitava ao seu redor. Parou de tentar contar o tempo, o sol se apagara, a boca secara, os ouvidos ensurdeceram, somente restara o último paladar de formiga.