Clausura

Todo dia o ritual se repete. Atravessa-se uma passarela que é rampa, subindo, cansando as pernas que enfrentam o aclive. Sensores que buscam a referência de quem entre e quem sai. Pedras estendidas nos solo, com árvores distantes umas das outras, não proporcionando sombra adequada a quem perambula pelo local. Cães famintos procuram os lixos em busca de algo que aplaque sua miséria. Outros animais se insinuam, sempre de forma discreta, salvo os noturnos, que parecem dominar o ambiente quando as trevas caem. Os passos dos circulantes são acelerados, não prestando atenção ao que ocorre naquele território. Mulheres tem sua sensualidade ignorada, já que cada um se preocupa apenas consigo. Crianças são vistas circulando, mas mantendo sua inocência inviolada, como se todos ali representassem um grosseiro espetáculo.

Em meio ao gramado, indivíduos são castigados pelo sol, portando ferramentas de violência contra a natureza. Sem piedade, decepam o que lhes é ordenado ceifar. O próprio riso é comedido, tendo hora certa para se apresentar. Olhos vigilantes buscam alcançar onde os sistemas de monitoramento não alcançam. Trajes negros se prostram em pontos estratégicos, procurando direcionar e conter o público frequentador. Galerias mal arquitetas, fazem escoar as águas, que empoçam. Escadas são pisoteadas com um desânimo brutal. Aeronaves fazem estardalhaço, com seus motores barulhentos e hélices que promovem um deslocamento de ar violento. Rostos apáticos aparecem vez ou outra nas janelas de vidros brilhantes. Conversas feitas em tom baixo repercutem. Autoridades, visivelmente identificadas pelos trajes distintos, caminham de forma resoluta, provocando olhares discretos e silêncios abruptos.

Na base, apenas uma porta de entrada. Um cômodo. Alguns dias um, outros dois, depois três, chegando a habitar quatro ou cinco naquele antro apertado. Nem se pode abrir os braços, fazendo com que um sai para outro entrar. Apenas um assento, sendo que outros dois menores, são postos do lado de fora. O aparato tecnológico que é acomodado, com emaranhado de cabos. Do vidro retangular, uma abertura em círculo, onde cabeças sem corpos ou corpos sem cabeça, se apresentam. Pessoas vistas sempre mutiladas. A troca de informações breve. O calor castiga, com o sol direcionando seus raios do início do dia ao fim para o local, causando aquela fadiga das altas temperaturas. Expressões de cansaço e sorrisos desbotados. Existe um que expõe o argumento religioso, outros crentes nem se convencem, mas os descrentes já nem tentam disfarçar o muxoxo. Os tapas nas costas, bem como as faces alegres, não passam de representações bizarras, como se existisse uma obrigação em fingir se importar.

Chega a chuva, inundando tudo. Um rio passa ao lado, fazendo com os muitos não acomodados no lugar apertado, tenham que se sujeitar a força das águas. Sobem em patamares mais altos, encharcam as vestimentas. O vento é forte e parece fazer balançar a estrutura. A água cai com uma cortina que dificulta a visão. Luzes acendem e apagam. Depois, o temporal passa, fica o alagamento. O sol seca, o transitar segue seu ritmo. Vidros refletem olhares ferozes, bocas que articulam sons repetitivos. Sobem e descem a rampa, rostos novos com expressões faciais velhas. Mais uma vez o religioso evoca a esperança, mas sua própria atitude deixa claro que nunca acreditou que de fato exista. A noite chega e a solidão parece vencer, com o trânsito de pessoas escasso, a luta contra o sono, o sereno da madrugada e o pensamento distante, por ser essa a única forma de se fazer distante dali.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 21/08/2012
Código do texto: T3841335
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.