Lost World
Cobras formam um tapete, feito raízes que se estendem, picando os pés descalços dos pequenos sátiros, com sorrisos inocentes. O fauno, sentado, segura as duas extremidades da boca da serpente, puxando com força que a parte em duas, deixando cair o sangue sobre sua língua sedenta, repetindo o ritual a cada instante. Seus cascos, mordiscados pelas presas, continuam firmes sobre o chão venenoso. O falo, apontando para o alto, possui brasa na extremidade, ejaculando magma. Noite sem lua, nem estrelas, apenas o céu trevoso, engolindo o olhar de quem se aventura para o alto. Silêncio quebrado pelas pancadas do carrasco, que utiliza uma madeira repleta de pregos enferrujados, para surrar as costas da sua vítima, que sangra e sente pedaços de carne sendo arrancados com a fúria dos golpes.
Caminha o corpo cheio de larvas, absorvendo as moscas varejeiras que voam. Apodrece sem perder a consciência. Árvores plantadas de cabeça para baixo, exibindo raízes que parecem veias. Um cão de três cabeças se aproxima, mas afasta-se ao ver o gato negro, que mia assustadoramente, emitindo um grito de dor. Próximos a areia movediça de corpos, onde a musa da morte se banha, com seus cabelos ensebados com sangue coagulado. Dos seios grandes, brotam gotas de ácido, que corrói as mãos dos que tentam se agarrar na feiticeira. O bode a fecunda com enxofre, fazendo nascer do ventre infernal, criaturas de uma selvageria sem igual, que devoram tudo que encontram. De sua cavidade anal, insinua-se uma cloaca, que pare ovos funestos. Ela arranca as unhas, já que sua dor é eterna.
Agora é a vez do centauro, que relincha e galopa sobre as serpentes. Uma Diana sentada sobre si, nua, de pele pálida, seios pequenos de mamilos rosados. Os cabelos loiros esvoaçantes, abraçada ao peito do seu condutor, roçando a vulva conforme o movimento da galopada. Sempre será virgem. Por isso beija Maria, excitando com uma pequena carícia, o pênis do menino Jesus, se fazendo de Madalena aduladora. Pegando para si a criança, impedindo que façam dela um mito, deixando-a aos cuidados das ninfas, que exploram cada desejo desse que seria proclamado santo. Todos dançam no sabbat, com o centauro batendo os cascos em harmonia com o fauno. Jesus não é cristo e pede a benção do bode. Passa uma estrela cadente, que não é astro, apenas um anjo caído, que despenca ao imitar Ícaro. No solo, encanta as sereias, que deixam de cantar.
Mulheres pulam dentro da fogueira, deixando a carne queimar. Algumas saem gritando em chamas, parecendo tochas em busca de uma pira. O oráculo cego diz sua profecia, que o mundo será sem luz. Mas nunca houve claridade para esse que é privado da visão. Perto do templo, o coveiro observa, com corvos que lhe bicam os ombros largos e duros. Ele arrasta os desafortunados para a cova, enterrando-os vivos, ouvindo o arranhar de dedos sob a terra. Sempre finca as cruzes de cabeça para baixo, já que empala nelas, parentes que ousam visitar os túmulos dos esquecidos. Um abutre sempre lhe come os olhos, fazendo com que nasça outro par dentro das órbitas vazias. Sua esposa só cuida dos bebês, cultivando pomares de fetos, que são comida para as hienas aladas, que são o mais próximo de um Pégaso naquele mundo.
O dragão escolhe mais uma esposa, que será devorada antes que o rebento vingue. Não é permitido que um herdeiro reclame o trono, o que o faz se inspirar em Chronos, favorecendo a morte precoce dos rebentos. No poço, um Narciso conversa com seu próprio reflexo, enaltecendo suas qualidades, jamais escapando da clausura, já que considera sua própria companhia, como a única necessária. A água turva é içada por roldanas, que a mulher escarlate faz questão de beber em longos goles. Se para de beber, fossiliza como esfinge. Sua amiga, puxa pela vagina o cordão umbilical do filho que lhe escapou, estendendo o elo para que possa um dia voltar a se conectar com esse ser livre, que explora os campos de corpos. A sirene toca, dando o sinal para que todos saibam que o dia passou, mais o sol nunca aparecerá. Apolo é sodomizado por Dionísio, que em cada orgasmo, arrefece os raios do deus sol. A união é tão bela, que faz Jesus beijar os doces lábios de Judas, o seu preferido. Alguém profere uma oração. Todos se voltam para a pedra filosófica, encontrando nela, o mercúrio de Hermes espalhado sobre Eros, que faz amor com sua mãe Afrodite. Psique chora, mas é consolada com o orgasmo Vênus, que a inunda e sufoca, afogando-a.
Jesus pede a flecha do cupido, mas como não é deus, morre varado pela seta que lhe atinge o peito. Judas chora e se mata, precipitando-se de um monte em um abismo sem fundo, eternamente condenado a vagar. Um pensamento nasce em sua mente, “sou Caim”. O fauno continua indiferente, rasgando as serpentes que são infinitas, todas vindas da cabeça da Medusa, que dorme o sono dos enfeitiçados, aguardando quem a desperte com um beijo capaz de engolir todo o seu fel. Titãs falharam ao tentarem acordar Medusa, agora é tarefa de Satã, que já a toma nos braços e faz do seu sofrimento, sua esperança e da sua dor, seu alimento. O bode se anima, o dragão vibra, o fauno desperta do seu transe, Dionísio e Apolo se fundem, agora se chamam Lúcifer.