O Voo

No banheiro, contempla a face diante do espelho. Os cabelos negros que escorrem sobre o dorso nu. Totalmente despida, observa os seios medianos, com um desenho que tatuara, uma borboleta. Aquele olhar vago, buscando algo no vazio do reflexo. Sua unha postiça descolara. Diante de si, em cima da pia, uma carreira cor de neve, que com uma aspiração, absorvera por suas fossas nasais. A cocaína inundava-lhe o ser despedaçado, que não passava de cacos de vidro lançados ao acaso. Virgem. Mas o que é a virgindade para quem já rompera o hímen com os próprios dedos. Não passava de uma película e nada mais. Para que sentir um pênis? Não passa de uma convenção coital. Sua maquiagem borrada torna seu rosto uma face de pintura abstrata.

Caminha pelos cômodos do apartamento, parece identificar algum som, talvez seja de um invasor. Em seguida, o silêncio. Encolhe-se próxima a cama, em um canto escuro, abraçando as pernas mal depiladas, com alguns trechos contendo fileiras de pelos. O piso gelado faz arrepiar as nádegas. Na sacada observa o minúsculo trânsito de pessoas-formigas, que transitam feito bonecos de um filme em miniatura. Subindo no parapeito, pensa que pode voar, lançando-se em um salto longo, que parecia por um instante flutuar. O impacto pesado do corpo contra o calçamento, assustou os pedestres, além dos motoristas que freavam para verificar o corpo espatifado, com uma poça de sangue que escoava pela valeta próxima.

A borboleta voara. Sendo, depois de horas, recolhida pelos peritos e levada ao instituto médico legal. Familiares foram avisados, um momento de tragédia na vida de pessoas desinformadas acerca do infortúnio que tende a nos visitar, mais cedo ou mais tarde. Uma noite agitada, com perícia policial, solicitação de boletim de ocorrência por parte dos parentes. Um burburinho ecoou pela cidade, começando pela rua, se alargando pelos bairros e repercutindo em noticiários, ávidos por tragédias, que aumentam a tiragem de exemplares. O velório sendo organizado. Os pais aguardava a necropsia, para acompanharem o carro funerário até a capela mortuária.

Na sala de autópsia. O médico legista pede que o assistente, acompanhe os familiares da vítima e dê prosseguimento a seus afazeres burocráticos. Vendo a foto na carteira de identidade do cadáver, percebe o quão bela era aquela criatura de rosto desfigurado. Não havia dúvidas quanto a causa da morte, além da percepção de resíduo de cocaína. Fora taxativo, suicídio. Ao retirar a roupa, viu intacto o par de seios. A vulva de pelos ralos, tão bem moldada. Automaticamente, trancara a porta do recinto, abrindo apenas o fecho de sua calça, montando de jaleco sobre o corpo, deixando de costas, para não contemplar o rosto esfacelado. Observava apenas a foto, beijando-lhe o dorso nu arroxeado pelas escoriações, penetrando a vagina apertada. A compressão do órgão o fez sentir um prazer indescritível, o que causou um orgasmo rápido.

Seus cuidados de perito entraram em ação. Ejaculara sobre a mesa de ferro, limpando com uma flanela em seguida. Mal se voltara ao trabalho, já sentira de novo aquele desejo impulsivo. Abocanhara os seios, sugando-os, ignorando o rosto deformado. Agora penetrava o ânus, desvirginando por completo aquela doce e cadavérica criatura. Mais uma vez, depositando o sêmen sobre o móvel frio. Lavara cuidadosamente as mãos. Solicitando os serviços funerários para a condução do corpo. Misteriosamente, o documento da falecida havia sumido. A família, transtornada, não se importara com esse detalhe. O perito guardara a foto para poder render homenagens masturbatórias a sua diva, além de ter se apoderado da calcinha da morta, que fazia questão de esfregar contra o nariz e sentir o aroma que tanto lhe excitava. Sentia flutuar de prazer, associando a leveza ao desenho da borboleta, que tivera suas asas em seus lábios. Sofrera o processo inverso, de borboleta, passara a ser larva, conforme o processo de putrefação muitas vezes exige.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 29/07/2012
Código do texto: T3802837
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