Episódio

Segunda feira. Visita corriqueira. Os vagarosos passos pelo corredor frio. Trajes brancos circulando, os que adentram precisam se adequar a norma. No leito, o corpo, com sorriso roto, aceno discreto. Adentra o que deveria dar esperança, mas em vez disso, aumenta a tensão. Inicia a busca por aquilo que não se imagina poder encontrar. A voz que ressoa através do aparelho telefônico. Ora conhecida, ora estranha. O prédio manteve-se intacto, aguardando o contato. Na sala de espera, mais um desesperançoso desfere o golpe. A lágrima quase cai, mas é contida e a conversa fria prossegue. Providências serão tomadas. Em uma fração as coisas mudam. Imagens que não dizem nada aos olhos, apenas os pontos claros que são algo sublinhado, feito um fantasma.

Na antecâmara, não um, mais dois leitos. Tantas bifurcações tubulares, injetando e expelindo. O corpo inchado, parece diluir-se em grandes bolsas líquidas que pendem, quase rasgando a fina pele. Ao lado, a apatia com um bocal quase canino, para manter-se preso nos dentes paralisados. Rostos tristes com expressões de desânimo. Um duto não se faz mais necessário, restando apenas o aparato encostado, esquecido, sem sentido. Explicações com educação de bajuladores, pressão de aflitos sofredores. Em casa não se pode sonhar, nem se dorme, apenas um breve apagar. Um som desperta o ouvido alerta. Sem nem perceber, já se faz sexta, a tensão continua a se instalar. O almoço interrompido e o coração a disparar.

Um se move para o alto, outros seguem a rotina, um leito apenas, aguardando serventia. Com paciência sofrida, mantém-se a vigília. Veio o gesto que parecia contrariar. Uma lágrima no canto do olho esquerdo. O vai e vem de linhas, parecia ter se tornado contínuo. Por isso, retiraram as visitas. Outro entra e logo sai. A comissão se aproxima, com copo de água e braços abertos. O choro rompe o formalismo. Um gole de água e de volta às obrigações. Na parede de pedras, o corpo se joga buscando auxílio. Aproximam-se mais espectadores. No alto o ritual prossegue, enquanto outros descem até a base da lei. Movimento pequeno, troca de turno prolongado. Emerge uma cabeleira loira rasteira, olhos de olheiras profundas, hálito de cigarro, dentes amarelos. Tumulto logo apartado, cada um sendo enviado para um lado. Segue o relato digitado, impresso, inspecionado e assinado.

Viagem longa, passando por casebres que povoam as margens da rodovia. Local abandonado. Portas escancaradas, madrugada adentro. Um funcionário com ar amistosos de recém empregado. O salão com poltronas desgastadas, serve de assento aos que esperam. Uma viatura de aproxima, uniformes beges, coletes pretos, embrulho para ser examinado. Todos esperam. Automóvel simples se aproxima. O esperado adentra o recinto, indo direto aos homens de bege. chega o carro vermelho, silencioso. Mais homens de bege, com insígnia de cor púrpura. Cumprimentos e lamentos. Horas sem resposta. Chega o laudo já imaginado. O convite imposto a sala interna. No corredor, um braço pende de uma maca em outro aposento. Palavras para prevenir o choque. A visão dos olhos escuros, já sem brilho, pregados no rosto de um corpo nu, mal costurado, deitado de lado, desengonçado.

Agora é a vez do carro branco. Preciosismo com os detalhes de vestimenta, flores dispostas estrategicamente. Todo estão no alto, após idas e vindas por casas e departamentos, obtendo papéis e distribuindo agradecimentos. Se fazem mais dois leitos, só que de estrutura mais rústica. Confraternização ao redor daquele artificial jardim. Caminhando entre lotes nomeados com espécies de flores, chegam ao ponto de despedida. Lamentos que não se prolongam tanto, para que o segundo leito seja assessorado. Mais um caminho com braços fortes que se unem para aliviar o peso. Uma árvore frondosa demarca o segundo ponto. O retângulo escavado, as paredes cimentadas, manivelas arriadas, ganchos retirados. Flores lançadas, assim como as lágrimas que fertilizam o solo seco. Pés maltratando o terreno e a terra sendo jogada, até que se forme um pequeno monte, que possa cobrir o que precisa ser encoberto. Alguém sempre profere um discurso. Pequenas conversas que vão se esvaindo, até restar apenas os pensamentos sobre a percepção de cada um envolvido. Todos descem. Apenas um marco que indica a passagem, desta forma se presta uma última homenagem.