As Forcas

Descendo pela rua asfáltica, contemplando as crateras, que parecem engolir os caminhantes. Ao longe se avistam as três forcas, uma ao lado da outra. Ignora-se o motivo da tríade, talvez o desejo pela sagrada trindade. Olhos que brilham na noite trevosa, simulando faróis vigilantes. Na copa das árvores os morcegos se alimentam de frutos, dando voo rasante sobre a cabeça dos que passam. O som da sirene fraca, que se distancia. Das casas é possível observar uma luminosidade preventiva. Vez ou outra se encontra algum outro caminhante, com apenas olhares discretos, cabeça com a face que fita o chão. Restos de comida espalhados, apodrecendo aos poucos. Corujas espreitam entre as folhagens. Movimentação discreta de insetos que povoam o mato.

Abre o livro, iluminando as páginas pela claridade fosca do poste. Os versos de Baudelaire, interrompidos pelo vento que tenta virar a página, mas que o dedo impede, indicando feito um marcador, onde deveria prosseguir. A luz parece maior do que de costume. As mãos sujas de sangue, são esfregadas contra o tecido branco da camisa de algodão. Senta-se em um banco de madeira, embaixo de uma árvore, observando a extensão do vale. Acende o cigarro e traga, soltando pequenas nuvens, que se perdem na escuridão. As unhas arrancam pequenas farpas do assento. Estrelas se multiplicam pelo céu. Os cabelos desgrenhados que balançam descompromissados. Dedos entrecruzados, com ma cabeça apoiada pelas mãos, em uma postura reflexiva.

Na casa de muro alto, o silêncio habitual das madrugadas. Dentro, a esposa ensangüentada, caída sobre a cama de casal, manchando os lençóis. Os filhos foram mortos, dormindo. O marido, sentado na poltrona, em frente a um quadro. Natureza morta, com o cadáver de crânio alvejado. Todos mortos a tiros, mas nada que despertasse os vizinhos. O cão da família não latiu além do costume. Aparentemente, nada de valor havia sido furtado, fora a vida dos moradores. No banheiro uma esperança havia ficado aprisionada, após entrara pelo basculante. A louça em cima da pia, fazendo deduzir que o objetivo seria a expectativa de um dia posterior, pois só se deixa algo para amanhã, quando se acredita que terá um amanhã.

Ergue o corpo e caminha, em ziguezague. Apoiando-se em árvores e postes, sob o efeito do álcool. A cabeça rodopiando, sentido náuseas. Despejando o vômito na próxima esquina, onde um vira-latas de pelo arrepiado viera servir-se do banquete excretado. Leva a mão ao peito, sentindo taquicardia. Caindo sentado no meio fio da calçada, com o pés sobre a tampa do bueiro. Acende outro cigarro, tosse engasgando-se com a fumaça. Os dedos adentram o cabelo amontoado. Estica as pernas, virando a sola do sapato, onde uma pequena pedra se agarra, causando desconforto ao pisar. Segura um graveto e risca o cimento. Jogando o toco de cigarro em brasa, que rola para o esgoto, até que suma a claridade da chama.

Dentro da igreja, no quarto do fundo, após a verificação das trancas. O noviço auxilia o padre a se deitar. Ajudando-o a se trocar, acariciando a pele flácida do sacerdote, que coloca as mãos lisas do rapaz em suas ceroulas. Ajoelhado em gesto de oração, o jovem massageia a genitália do ancião, tendo dificuldade em deixá-la rígida, precisando de um incentivo oral. A rápida ereção, logo terminou em ejaculação quase instantânea. O noviço absorveu o sêmen e ajeitou o velho padre na cama, cobrindo-o cuidadosamente. Retirou-se para seus aposentos, servindo-se no caminho de uma hóstia, para apaziguar o gosto de sêmen no seu paladar. Masturbara-se venerando a imagem de Cristo na parede.

Agora já consegue visualizar as forcas com nitidez. Ao se aproximar, cada vez mais, pode a princípio, perceber um corpo em cada uma das forcas. Era uma família, com pai, mãe e filho. Os corpos nus, pendiam cadavéricos, mal cheirosos e escuros. São incendiados, formando três labaredas. O fogo desgasta as cordas e faz os corpos em chama caírem. Se tornaram de um negrume anoitecedor. Só restaram os troncos de onde eram suspensos os cadáveres, formando colunas de madeira sólida. Mais cordas são trançadas, com o laço que abre um círculo, que pede um novo corpo. Um nó que só se satisfaz quando aperta e sufoca, quando estala e quebra. Vazio, se torna uma boca sempre receptiva. Uma vez que enlaça, produz um novo pomar de vítimas, para que possamos colher os frutos cadavéricos, que apodrecem nos galhos das árvores da morte.