A Escolhida
Era inverno. As folhas mortas no solo davam um tom fúnebre a paisagem dura. Sabia que os dias passavam de forma mais lenta, apesar de desejar um tempo mais veloz. No trajeto para o trabalho, todo dia de manhã repetia o ritual. No início, algo casual. Era um início de dia sem expectativa. Os passos mecânicos que o cérebro guiava na rotina operária. Rostos cinzas que não são percebidos durante décadas. No outono, justamente aquele período entre estações mais exuberantes, que contemplou aquela figura singular. Os olhos escuros em contraste com a tez branca. Sua atenção logo foi absorvida por inteira. Hipnotizado pela imagem que se movia feito um espectro sedutor. Não conseguia desviar os olhos, mesmo que pensassem estar despertando algum repúdio, por parecer um flerte vulgar.
Um dia trabalhado com a imagem na mente. O trajeto para a casa e a noite em claro. Na outra manhã, apesar do desejo de reencontrar a criatura delicada, admitia a possibilidade de não mais ocorrer outro encontro, que logo estaria formulando algo para que a memória se desapegasse aquela estética convidativa. Olhar atento aos rostos cinzas, que agora tinham matizes mais intensos quando imaginava algo próximo daquilo que deseja encontrar. O coração dispara. Ela surge novamente, mantendo aquele ar de aristocracia plebéia, parecendo uma nobre enclausurada em um corpo de classe inferior. A cabeça acompanhou o andar elegante da pedestre. Mais um dia com o pensamento em devoção a sua paixão. Sabia que estava tomado de paixão desde o primeiro momento, isso o inquietava. Em casa não conseguia nem mesmo descarregar sua excitação, pois não conseguia imaginar obscenidades com tão inocente dama. Mozart o fazia adormecer, apesar da insistência em manter-se acordado, para ser invadido pelas lembranças.
Acorda, relembrando trechos dos sonhos, claro que a mulher povoava seus mais recônditos domínios oníricos. Hesitava em seguir o mesmo trajeto, até forçou o corpo a caminhar por outras paragens, pensando em desviar do horário que coincidia. Eis que mais uma vez, a dama da manhã aparece. Quase se dirigiu a moça, mas se conteve. Outro dia de angústia. Quando acordara, ocorreu algo aflitivo. Sua inspiração desapareceu, no mesmo trajeto e rigoroso horário, a mulher não apareceu. Desesperado andava de um lado para o outro. Procurando se informar com pessoas estranhas, descrevendo o perfil, imaginando que poderia ter se mudado de cidade, quem morrido. Faltou trabalhou. Em casa mantinha-se concentrado, com tragos de vodka que lhe faziam perder ainda mais o juízo. Embebedado, dormira de qualquer jeito. Seu relógio biológico estava ajustado, na hora exata acordou. Se recompôs e refez o caminho. A desejada criatura reaparece, como por encanto. Esqueceu de qualquer infortúnio, contemplando com olhos ávidos aquele andar majestoso.
A primavera se insinuava. Naquela manhã se prepara como todas as outras. Chegou antecipadamente ao local onde costumava encontrar a figura que tanto desejava. Mais uma vez ela surgia, os cabelos escuros balançavam sobre as costas. A mulher não conseguiu esboçar nenhuma reação, o lenço levado ao rosto a fez desmaiar. Acordara zonza, em Ambiente estranho, os olhos apavorados com um brilho enigmático. Um sujeito estranho lhe encarava. Começando a proferir um discurso que lhe parecia sem sentido. Dizia que havia enviado justificativa ao emprego para sua falta, que não a conhecia, a ponto de saber quem notaria o sumiço de tão graciosa tentação. Mas que não se importava com nada disso. Aproximando-se com uma faca, o que causou pânico a vítima, rasgou-lhe as vestimentas. Tanto a camisa de tecido fino, quanto a calça jeans. As pernas eram um tanto finas. Ao cortar o sutiã, expôs seios pequenos com auréolas grandes e rosadas. A calcinha ao ser retirada, revelou nádegas pequenas e flácidas e uma genitália com um pequeno filete central de pelos, sendo que era possível perceber em volta e nas virilhas a penugem crescendo, como se fosse uma sombra.
Ajoelhado, abraçou as pernas da moça amarrada a uma cadeira, chorando convulsivamente. A prisioneira também derramava lágrimas, mas eram de medo. Sua boca tocara os mamilos, de formas delicada, fazendo com que a sequestrada tentasse repudiar, com movimentos que machucavam-lhe os tornozelos e pulsos. O agressor esbofeteou sua face, provocando um tom rosado nas bochechas. Ainda prosseguiu com seu discurso, dizendo que aquele gesto era uma ingratidão, que a vítima era ele, que tantos anos vivera sem aquela aflição e agora era cativo desse desejo que o consumia. Encontravam-se em uma propriedade rural de familiares, que vez o outro frequentava. Naquela manhã, pegara emprestada a caminhonete utilizada no campo. O veículo acomodou confortavelmente e sem levantar suspeitas, a sua “convidada”. O local não possuía vizinhança, apesar disso, manteve a mulher amordaçada.
Desvencilhou as mãos da sua delicada prisioneira, que debatia loucamente. Alguns golpes contra o rosto e ela desistira de lutar, o corpo amolecera. Desamarrara os tornozelos, levando o corpo uma pequena bancada, onde voltara a prender os braços e pernas, deixando-a de costas para ele. Nesse instante resolvera retirar a mordaça, o que fez a cativa emitir gritos e xingamentos. Ele se decepcionara, tanto com a linguagem, quanto em relação à voz esganiçada. Disse que já pressentira que aquela sereia iria enfeitiçá-lo e depois destruí-lo, já que sua sedução era volúvel. Seu membro na fura enrijecera, sem hesitar, penetrou de forma violenta a vagina, exposta com as pernas, que havia deixado meticulosamente arreganhadas. Só interrompeu o coito quando atingiu o orgasmo, enchendo de sêmen a desconhecida. Imaginou que ela teria dito o nome a ele, contado a respeito de familiares, com intuito de tentar sensibilizá-lo. Mas não se deixou iludir.
Repetiu o gesto por dias. Sempre penetrando com fúria a mulher que o enfeitiçara. Sem fornecer a prisioneira, nem água e nem alimento. No segundo dia, atacara o ânus da moça, fazendo-a sangrar. Sempre a abandonava, voltando no dia seguinte, após o expediente, para prosseguir com sua rotina de castigos. Parentes haviam freqüentado a propriedade, mas como havia aprisionado sua vítima em um casebre distante, era remota a possibilidade de que descobrissem sua façanha. A probabilidade de ser descoberto o excitava, sempre aflito quando retornava ao local. Algumas vezes avistou familiares e despistou-os passando por caminhos que adentravam o matagal. Em uma determinada noite, encontrara sua adorada cadavérica. Ainda assim repetiu seu ato de coito. Jornais noticiavam a respeito do desaparecimento de uma jovem, narrando características, pedindo informações. O corpo já entrando em estado de decomposição, mas o mal cheiro não o impedia de violar aquela criatura imunda, com manchas que se alastravam pela pele não mais tão clara.
Foi em um final de semana que resolveu esquartejar o corpo, cortando porções de carne que eram lançadas no pasto, para cães e outros animais se servirem. Os ossos foram enterrados em cova profunda. A pela havia retirado com cautela. Gostava de se vestir com aqueles restos mortais. Colocava a pele da face sobre seu rosto, como uma máscara. Até que um dia comeu aqueles últimos vestígios, engolindo após aflita mastigação o motivo de sua inquietação. Dando-se por satisfeito, após eliminar a criatura que perturbara seu sossego. Em frente ao espelho pensava que aquele ser também habitava dentro dele. Mas ao urinar e defecar acreditava excretar os vestígios venenosos. Percebeu que a mulher havia alterado sua vida, não importando o fato de ter eliminado seu corpo, a presença continuava presente. Jogou-se do seu apartamento em um suicídio emergencial. Não conseguiu a morte, mas seu corpo mutilado e afetado pelo trauma, o fez ficar preso a uma cama de hospital, sem conseguir se comunicar, os membros inferiores amputados, escaras maiores a cada dia. Lhe faltou a informação que o enfermeiro que cuidava atenciosamente de seu tratamento, era pai da moça que causou sua ruína. Enquanto esteve inconsciente, foi molestado por um funcionário responsável pela limpeza dos quartos, tendo seu ânus preenchido por sêmen em diversas ocasiões. Agora implora pela eutanásia, mas seus familiares, cristão devotos da vida e cientes dos desígnios de Deus, não permitem intervenção desse tipo e rezam pela piedade divina, acompanhando a rotina de sofrimento que faz seu corpo ir sucumbindo vagarosamente.