SuiJeito
Lentes apontadas para as patas de bode, que marcam com solo com seus cascos fendidos. A pelagem grossa cobre feito uma manta, que é manto bestial. Vampiros voadores prontos a sugar-lhe o sangue, com sua presa única em forma de agulha. Muitos são destruídos ainda em voo. Batalhas incessantes, travadas, trevas adentro. Olhos inflamados, queimando em fúria. Um enorme lagarto se aproxima, contornando o ambiente, se camuflando, não para esconder-se e sim para mostrar-se. Corta fios de aço que o cercam, fazendo com que rebarbas metálicas perfurem sua pele. O sangue pinga e o réptil prova, com sutis movimentos de língua. Traça um retângulo e ordena uma sequência de vestimentas negras. Sons ouvidos a todo instante, sem que possa distinguir de onde vem. Fecha a porta e percebe sua vulnerabilidade, pois as frestas se espalham.
De repente, um detector é ativado, vibrando, sinalizando sua localização. Envolve o cinto no pescoço, esticando a correia, sem conseguir se enforcar, apenas fazendo de coleira o objeto. Criou uma cauda, que se estende acima de seu ânus, causando-lhe dificuldade ao sentar. Derruba objetos com seu recém adquirido rabo, sentindo-se desengonçado. A dolorosa experiência de decepar com um machado essa parte adquirida, fazendo-se cotó por pouco tempo, pois logo cresceu novamente. Fez com que imaginasse ter algo em comum com a lagartixa, mas despencou ao tentar grudar na parede. Pensa em algo maligno e resolve executar o ousado projeto. Antes certifica-se de estar só, indo ao outro cômodo e contemplando um cadáver caído, com os pulsos abertos.
Diante da escuridão que o acolhe, arma-se com uma faca de lâmina afiada. Para em frente aos espelhos, fita aquela expressão que finge ser sua. Sabe que aquilo visto simula sua presença. Um corte no pescoço, profundo. Deseja matar seu próprio ego, e o vê diluindo pelo sangue que escorre. Sorri diabolicamente, o ferimento parece um segundo sorriso. O ego tenta resistir, por isso executa estocadas no ventre, contorcendo o objeto para revirar as entranhas. Levanta a tampa da privada, encontra fezes boiando em água amarela de urina, prova os dejetos, amparando-os com as mãos. Esse gesto demonstra o aniquilamento do ego, o que faz com que saia rastejando de quatro, com a cauda entre as pernas.
No centro do cômodo, uma mulher se fazendo de Jesus, crucificada. Seus cabelos longos, o corpo nu, com a genitália peluda, seios pequenos e amarronzados. Mãos e pés sangram, na cabeça uma coroa de espinhos, o rosto sofrido, a face voltada para o alto. Me aproximo furtivamente, com a mesma lâmina perfuro o abdômen. Repito diversas vezes “Deus está morto”, não desejo mais nenhum resgate desse simbolismo escatológico. A prostituta Madalena era muito mais digna. Escarro naquela face. A faca cravada na região abdominal. Ajoelho e masturbo, jorrando sêmen na fêmea crucificada. Essa é a minha última oferta de fé. Com a cauda arranco a arma, viro as costas e saio, sem olhar para trás. Apenas uma olhadela no último instante para que possa ser transformada em sal, mas isso não acontece, a puta continua crucificada.
Correndo, tropecei e quebrei meu orgulho, fazendo-o em pedaços. Ao tentar juntar os fragmentos, provoquei cortes que esvaziaram-me da vaidade. O que me fez levantar atordoado e sentar no sofá. Uma figura masculina com traços femininos, segurou minhas mãos. Observou minha dificuldade com a cauda. Estava segurando seu falo ereto, movimentando o prepúcio, guiando minha mão para acompanhar o movimento. Apalpei os testículos e percebi sua intenção. Apenas pendi o corpo e cai de quatro ao chão, ele apenas suspendeu a cauda e me penetrou, só parando ao ejacular. O que me fez sentir o gozo escorrer entre as coxas. Meu corpo revigorou, aumentei as proporções, a cauda era crina e me fiz um centauro, muito aquém de um Quíron. Foi quando um dos vampiros voadores se transformou em Pégaso, e pude montar-lhe com meu membro imenso, que preencheu todo seu orifício, comigo sobre seu dorso. Ganhei asas e cresceram cornos agressivos. O rosto de asno, virado para baixo, deparou-se com um busto feminino, que derramou um leite escuro, que causou um eclipse.
Um anjo caído caminhando. Seu alo solar é arrancado, feito de anel que é posto no dedo da mão esquerda. Passa a lâmina para a pequena e pede que se dilacere aos poucos. A jovem arranca porções de si, mutilando sua face e o restante do corpo, ofertando seus próprios pedaços, até cair exausta. Segura seu membro e urina sobre as feiras pedindo que a mutilada vá para o outro cômodo e ajoelhe-se aos pés da crucificada, acariciando-lhe a sola direita. Retira-se para o templo e senta sobre a pedra filosofal, que é chocada, com intuito de que possa nascer um novo homem, algo além do homem. No esforço sua preguiça cai feito roupa esfarrapada, abrindo a boca e recebendo hóstias de corpos. Segura a taça com sangue coalhado. Uma menstruada agacha e enche o recipiente com sangue vivo. Não satisfeita, decepa o clitóris.
O ovo começa a romper a casca. Ela microscópica fissura, enxerga um mundo que é o mesmo sem nunca ter sido o mesmo. Espanta-se com esse nascimento porvir, convertendo-se em larva que se contorce, fazendo com que a crucificada despenque, o peso esmagando a pequena que amparava-lhe os pés. O Pégaso agoniza no solo, na sua frente o travesti empalado acena brevemente antes de sucumbir. Os vampiros são moscas que caem feito grãos de poeira, transformando o chão em tapete de Belzebu. Por fim o ego se ergue, ao seu lado a preguiça dorme, a ira se atiça, o orgulho se refaz peça a peça, a vaidade contempla-se diante de espelhos, chegando a sacudir a inveja em forma de reflexo. As hóstias cessam. O coro em louvor recitou, “Deus já morreu”. E a voz que sai da fissura responde, “Agora que ele nasceu”.