Cárcere
A visão por cima dos muros, enfeitado com cercas elétricas. Alguns arames que rodopiam ao redor, feito isolamento presidiário. As portas de ferro com marcas de arranhões, provavelmente unhas aflitas desejando de alguma forma escapar. Os vigiais bestiais espreitam, ou com sua brutalidade canina, mordendo a qualquer sinal de alerta, ou com arrogância felina, dilacerando vez ou outra algum mais ousado. Estátuas se erguem feito pilares totêmicos, fitando de forma fria. O traje negro denuncia um padrão. Um som emitido por aparelho elétrico, a única forma diferenciada, embora pareça tão distante e não humana. Apenas um sujeito que junta suas partes, foi feito em cacos.
Toda a mobília com tom pastel, parece apagada, precisando do tato duro para que seja sentida. Gritos tentam escapar em forma de ondas sonoras, procurando seguir o fluxo acima das muralhas. Abaixado, recebe o aparelho conectado ao córtex. A luz acende e a transmissão de dados começa, com olhar apagado passivo de recepção. Mãos acariciando a barba, a ponto de arrancar tufos de pelos, que caem pelo solo, como fragmentos de si. Um único livro para ser folheado, “Crime e Castigo”. O nome do autor russo parece uma ironia quando pronunciado. Na mente o eco, “Dostoiévski”. Sabe que não está na Sibéria, pois a temperatura está muito além dos baixos termômetros daquelas paragens.
Na cama o corpo moreno nu, deitado de costas. As mãos algemadas, veste as férreas pulseiras, ouvindo o som da tranca, ajustando para que aperte, pressione os pulsos delicados. Os cabelos puxados com força, enquanto o órgão rígido, após tocar a vulva úmida, adentra o ânus por inteiro, até que os testículos sirvam de limite, pressionados contra a vagina. Garrafas abertas para a degustação do conteúdo alcoólico. Inebriante sensação que faz o corpo amolecer, sentido-se menos confiante perante a gravidade. Os dedos espremidos no vão da porta, estalando as falanges, fazendo com que caia de joelhos. As veias saltam dos pés, vermes em forma de varizes, que ensanguentam o solo. A lâmina adentra o saco escrotal e o rasga, fazendo os testículos vazarem.
Aparece um balde d’água, não para que sacie a sede, mas para mergulhar a cabeça, até que sofra afogamento, golfando porções de água. Chutes nas costelas, a ponto de serem quebradas. Pisadas nas pernas, uma apenas no joelho para deslocar a rótula. A queda sobre o vidro que estilhaça e causa diversas perfurações nas costas, um fragmento maior adentra o ventre. No instante em que uma mulher pegar fragmentos de carne vidro e mastiga, causando sangramento em suas gengivas, engolindo generosas porções. Masturba-se com um generoso pedaço de espelho, fazendo com que se quebre dentro da genitália, gozando de forma sanguinária. Mamilos picotados com tesouras. O cabo pende do teto, buscando um plugue humano, mas é ignorado para isso, servindo apenas de instrumento para um suicida se enforcar.
No varal, membros de esquartejados pendurados. O vômito dos covardes é servido como alimento ao restante. Fezes e urina são iguarias para um banquete de dejetos. Abutres consomem sobras que apodrecem no pátio, disputando com insanos que aderiram à antropofagia. O aroma de sangue que faz um curtume parecer um paraíso de fragrância. Ratos foram extintos devido à escassez de algo mais suculento. Nenhuma reza resiste, pois a fé parece uma lembrança distante que a memória fez questão de não alimentar. O silêncio é o mínimo barulho percebido dos ávidos por qualquer som. Um tiro, que é uma dádiva a quem vive como quem deseja morrer. Após o impacto do projétil, o corpo cai desprovido daquele peso que o sofrimento inflige. Enquanto a moça de azul sorri, com olhos brilhantes, ignorante perante a tragédia que a cerca e que seus gracioso pés tocam, ao pisar sem perceber, nas pilhas de cadáveres que lhe servem de tapete, onde equilibra o salto sobre os montes movediços.