Agonia
Que lugar é esse?
Deitado em uma superfície que se movimenta. Preso com cabos que se entrelaçam sob meu olhar. Braços mecânicos se movimentam em uma orquestra mecânica. Aquele olho ciclópico voltado para minhas vistas, cega-me com sua luz central que sai de uma ótica tentacular. Mãos brancas com textura emborrachada tocam-me, explorando meu corpo. Uma face sem cavidade bucal, com olhos tenebrosos que me fitam. Serpenteando, uma espécie de mangueira recolhe líquidos, com som de sucção que faz recordar um sufocamento. Eis que surgem lanças finíssimas, revestidas com um tronco mais espesso, perfurando-me incessantemente até que formiguem os membros.
Insensível eu me tornei. Os reflexos foram afetados, tentando pronunciar algumas palavras, apenas consigo gemer de forma deficiente. O mero projetar algo se torna deprimente, a saliva pende por não ter sido obstruída. Sons metálicos invadem o ambiente. A pele sensível sente a lança penetrar fundo, injetando veneno. O motor aciona uma pequena britadeira, que agride, causando fraturas, sulcando a superfície que tenta resistir, mas que acaba se resignando a força que a oprime. Pequenas lesmas secas e felpudas são adicionadas com pinças, absorvendo secreções. Uma onda de choque castiga o sujeito, aprisionado e amedrontado com o som estrondoso que um motor imenso produz.
Machados, além de foices e outros objetos dilacerantes, mutilam sua superfície, expondo nervos, cartilagens, fazendo com que o sangue escorra para as lesmas receptoras. micro espelhos produzem pequenos flashes. O gancho fino, rasga a primeira camada de proteção. Jatos de ar comprimido ferem com sua força, seguidos de esguichos aquosos. As mãos se agarram a superfície de borda macia, as unhas tentam rasgá-la. Fios de aço costuram, com perfurações que lembram vermes anelídeos em constante escavação. Túneis que criam dutos de dor, onde o rio vermelho corre. O corpo pende, quase de cabeça para baixo.
Cimentado com porções de ferro gusa gelado, temperado com fortes impactos que o concretam em uma base funda e castigada. A chama que aquece a lâmina ao ponto de derreter tecidos. Uma fenda escavada até a raiz da agonia, margeada por ganchos de alta pressão, que espremem suas bordas, com placas metálicas que comprimem. Ao mesmo tempo, a pasta gelatinosa desliza, causando sensação nauseante, sendo engolida em um processo regurgitante. Anzóis percorrem a fina pele, abrindo porções da epiderme, produzindo migalhas da derme, rompendo nervos, expondo feridas pulsantes. O amarelo é lapidado, sendo que o outro é descartado, na busca por manter o marfim original, sem qualquer complemento mineral.
Restos orgânicos não digeridos misturados ao caos sangrento. Saliências, relevos refeitos, vales erguidos, terrenos desfeitos em erosões cutâneas, depressões em formas de calcário ósseo, erupções de vulcões bacterianos. Descarnado enquanto agoniza diante do executor implacável, engolindo porções rochosas que foram lançadas pelo impacto da quebra. O estalido de placas tectônicas gangrenosas, em um atrito que chega a suprimir vias aéreas. A morte foge diante do pavor doloroso que prossegue de forma lenta, em um desejo de se fazer sedentário. Em meio a uma balbúrdia, um lampejo vindo do ciclope mecânico. Uma fração de razão.
Sei onde estou. A placa com um sujeito esticado, com uma perfuração no cartaz bem na órbita direita do sujeito. Letras bem visíveis indicam: “Consultório Odontológico”. Eis a lógica da dor.