Desespero
Esse dia nublado. Minha mente também cheia de nuvens, mal consigo pensar. As paredes do quarto se fecham sobre mim, estou claustrofóbico. A mente latejando, as têmporas explodem. Malditas crianças que não param de gritar na rua, que sufoquem com seus gritos. Esse pigarro que arranha a garganta. Engasgo e começo a tossir, escarro sangue. Me escoro nas paredes próximas, mesmo sendo oprimidos por elas. Estou tonto, andando em desequilíbrio, um bêbado. Soco a porta, em seguida bato a cabeça, mas a dor continua. O cérebro para estar em conflito, sinto que a qualquer momento vai explodir, a sensação de crânio pesado. Estalos as juntas dos dedos diversas vezes, até quando param de emitir som, chegando a causar dor na repetição do gesto.
O relógio faz tic tac, sinto como se fosse algo estrondoso. Agarro os cabelos e puxo como se fosse arrancá-los, alguns fios chegam mesmo a se soltar. Chuto o guardar-roupa, arrancando uma lasca de madeira da porta. Saio andando em círculos e me jogo na cama. Com a cabeça enterrada no travesseiro. A cabeça pulsando, os sons continuam entrando pelos ouvidos, sinto vontade de furar os tímpanos. Mas continuaria a dor surda. Rolo para um lado e para o outro, me cubro e descubro. Com as mãos bloqueio os ouvidos, depois as coloco entre as pernas, me curvando em posição fetal, só que sem ventre para me abrigar.
Levanto cambaleando, ligo a TV, diminuindo o volume. A claridade incomoda, desligo o aparelho. Saio apagando as luzes pela casa. Abro a geladeira e encontro meia barra de chocolate. Mordo o chocolate e logo em seguida vomito. A primeira porção sai de cor marrom, o restante são restos do almoço. Penso em gritar, mas aperto a cabeça com as mãos. Sento na poltrona e balanço o corpo, feito um autista. Começo a roer as unhas, machucando as laterais dos dedos que começam a sangrar. Os pés descalços sentem o piso gelado. Seguro um cigarro, acendo e dou uma forte tragada, tossindo em seguida. Com uma xícara de café em mãos, auxilio a absorção da fumaça.
Posicionando os óculos no rosto, a armação parece mais pesada que de costume. Abro um volume de Beckett, mas não consigo ler, o texto parece ainda mais fugidio, a mente não consegue focar em nada, a não ser na agonia da dor. Seguro um rascunho e com uma esferográfica em mãos começo a escrever, mas apenas consigo traçar riscos. Rasgo o papel. Penso em como acordei, mas a memória oprime ainda mais, não posso e nem devo pensar. Por isso entro embaixo do chuveiro, deixando a água quente cair sobre o corpo, a cabeça recebe o afago fluvial. Sentado no chão do box, observo o fio de água descer pelo ralo, acaricio o pênis, mas a excitação faz aumentar a cefaléia. Saio do banho e me enxugo, me servindo de um copo de água.
Deitado na penumbra da sala, esticado sobre o sofá, contemplo o teto escuro. O vento frio insiste em entrar pelas frestas. Me protejo enrolado em cobertas, as mãos feitas de travesseiro. Pálpebras abaixadas. A campainha toca diversas vezes, mas a pessoa insistente é ignorada. O telefone é desligado. Surge uma dor estomacal. Na privada, defeco e amparo a cabeça, sentindo náuseas. A descarga não leva junto o desespero. Olho minha própria face no espelho, os olhos avermelhados. No bar me sirvo de um drink de vodka, mais outros seguidos. Um segundo vômito, agora puro álcool. O estômago vazio reclama.
Abrindo a gaveta da cômoda, encontro um revólver. Abro a boca e aconchego o cano frio apontando para a parte superior da cavidade bucal. Aperto o gatilho, a arma dispara, o projétil explode a parte de trás do crânio. Um estrondo feito um trovão, com o flash da pólvora se fazendo relâmpago. A fumaça emerge da boca feito brisa. Agora o clima é chuvoso, não mais nublado, sendo que as gotas que pingam são de sangue, chuva de um único trovão e um único relâmpago, com água mais pegajosa, de cor púrpura. Um respingo de sangue cai sobre a página aberta do livro deixado na mesa próxima a poltrona. Um pingo pontua o trecho que diz: “No manicómio do crânio em nenhuma outra parte.”