Demoníaco

No escritório, uma luz de pouca luminosidade, se fazia sentir pela sala escura. Os outros cômodos eram servidos da mesma baixa luminosidade. Diante de um computador básico, planilhas se desenrolam com a mesma intensidade da enxaqueca do digitador. Olhos grudados na tela, que se desviam por um momento em direção a outra sala, onde um silêncio tenebroso impera. Vez ou outra é possível ouvir uma tosse acompanhada de pigarro, que logo desaparece e o continuo som de pingos de chuva recomeçam. As janelas revelam as gotículas que escorrem brandamente, pois a garoa é delicada e persistente.

O aroma de tabaco invade o ambiente, com uma leve névoa que flutua vindo do vão de uma porta de madeira com os beirais desgastados. O piso frio, arranhado, aumenta o clima melancólico. Teias de aranha enfeitam cantos do teto. A sala de espera continua em estado de espera, sem ninguém que possa ocupá-la. Apenas o olhar furtivo do homem ao desviar da tela com planilhas. Um clique e abre sites com fotos eróticas, sentindo avolumar o membro dentro da cueca. Um passa tempo que com a excitação faz seu membro pulsar, assim como a cabeça que lateja mais e mais. Os corpos femininos são novas planilhas, sobrepostos, em cascatas, em uma coleção de janelas abertas ou fechas por toques contínuos, devido a adrenalina da hipótese do flagrante.

Adentra o recinto a nova assistente, com aquela pele mulata, sem maiores atrativos. Os óculos fazem seus olhos parecerem micros. Senta-se indiferente ao lado do rapaz, após puxar uma cadeira. O sorriso cordial e os gestos que tentam dar fim a enxurrada de janelas pornográficas. A mulher parece não perceber ou dar pouca importância, continua pedindo conselhos e explorando as planilhas, ávida por eficiência. Domina a tela, enquanto o companheiro de trabalho se levanta, indo em direção a porta. Acena e resolve caminhar pelas escadas até os andares superiores. Ainda tonto pela cefaléia, misturada ao desconforto de ter sido descoberto de forma tão estúpida.

Os olhos param sobre uma pequena janela localizada no topo da parede. Escuta um ruído e se vira. Deparando-se com uma criança de coloração cinza. O sorriso daqueles lábios pequenos misturado com dentes perversos, era algo demoníaco. Ao se afastar, o pé em falso quase o fez rolar escada abaixo, mas o corrimão o amparou. A fúria daqueles olhos pequenos de tamanho e grandiosos de maldade, não parava de açoitá-lo. Exigiu que o garoto se afastasse, erguendo os punhos em ato de desespero. Mas cada passo em recuo era um adiante do seu algoz, que o acompanhava, indo ao seu encontro sem hesitar.

O corredor parecia ter comprido seu corpo, começou a descer as escadas, sentindo uma pedra que acertara-lhe as costas. Virou-se com ódio e encontrou um rosto bestial que ria prazerosamente. Em dado momento quase alcançando-o, se não fosse uma esquiva rápida que fez com que se jogasse contra uma das paredes, chegando a rolar um pequeno patamar de degraus. A dor de cabeça se tornara um forte badalar de sinos, seu corpo resistia ao tormento enquanto fugia. Tinha se dado conta que correra diversos andares, já deveria ter chegado ao escritório. Mas parecia perdido, não por ter passado pelo local despercebido. Mas estava em uma escadaria sem fim, que rodava sobre si, onde a única referência possível era aquele pequeno demônio, que perseguia sem descanso.

Conseguiu se recordar do rosto da mulher em frente a tela do computador. Seus cabelos tão bem escovados, a roupa retilínea, não admitindo nada fora do lugar, até meso o ato de puxar a cadeira para se sentar, foi algo tão comedido, um silêncio e uma sobriedade. Só deseja encontrá-la e jogar-se em seus braços, sentindo aqueles pequenos seios aconchegarem-se junto aos seus lábios. Todas aquelas imagens de sexo virtual desapareceram, ficando apenas a neblina espessa após uma prolongada tragada vindo da outra sala. A tosse badalava suas têmporas, com o pigarro causando-lhe uma náusea. Enquanto o demônio adentrava suas órbitas, enxergando sua dor e manuseando sua aflição, a ponto de cair de joelhos e sentir as patelas trincarem. Antes de proferir o grito agudo, teve colado a sua fronte, o rosto acinzentado, que engolira seus gemidos e sufocara sua esperança.