Hell
Caminho por corredores em busca de respostas. A vida cotidiana, onde ignora-se a pluralidade que ocorre a cada instante. Peço uma informação, tentando me localizar. Mais o número de salas e corredores é um labirinto que me deixa tonto. Acabo saindo em local escuro, onde a precariedade parece cativa. As mãos tentam tatear, mais parece uma superfície de lodo. Algo me persegue em meio as trevas, gritos ecoam pelo espaço como melodia de sofrimento. De relance, percebo pessoas em agonia, caídas pelo solo, como se fossem fertilizante de uma terra infértil.
Acordo em minha cama, o alívio do pensamento que avisa ter sido um sonho. Visualizo uma figura bizarra. O rosto, que se possui olhos, não era possível identificar. A cabeça arredonda, de proporções pequenas, a boca imensa e comprida, se fechada, parecia um grosseiro bico, mas que pela quantidade de dentes, se assemelha mais as proporções de uma bocarra de golfinho. Só que mais larga, abaixando-se sobre minha cabeça, desejando me engolir, quem sabe apenas abocanhar. Mas os dentes pontiagudos me dilacerariam.
Com as mãos, retenho o ato. Segurando a boca pelos dentes, que sangram minhas palmas. Sinto que logo não terei mais forças, pois a criatura é de uma força que está além da minha. Começam a pulular no cérebro as imagens da vida, as pessoas que passavam despercebidas, sinto saudades dos que amo, o desejo de continuar vivo. Num apelo desesperador, acabo esquecendo tudo em nome do que faz parte de mim. Antes ateu, agora dentro do inferno, acabo gritando “que deus me ajude”.
Desperto. O coração ainda disparado. Levanto e vou direto ao laboratório, busco o resultado dos exames. Estou bem, ela está bem. Estamos vivos e continuaremos nos amando, muito ainda teremos que realizar. Constato que os meus resultados estão negativos, o que é positivo no que se refere em geral a exames médicos, o dela apenas uma pequena alteração, nada preocupante. O que me deixa feliz, pois a vida é feita dessas pequenas tragédias, se tudo não saiu perfeito, significa que ainda existo.
Andando pelo parque, encontro um conhecido e nos cumprimentos. Ele comenta sobre minha pequena ausência. Nos despedimos próximo a um pequeno pântano, após avistarmos um cavalo debilitado que apenas mantinha-se deitado. Mas o conhecida aponta, identifica algo. Olho um volume escuro, penso que talvez esteja enganado. Ele corre para identificar o objeto, vou logo em seguida. Ao me aproximar, percebo que havia sentido em minhas deduções, é um cadáver. Mas quando toca, se meche. É uma menina loira, a pele de uma brancura com aspecto cadavérico, o olhar apático diante das perguntas que ele faz para tentar obter alguma reação.
Ao me aproximar, a menina sorri e diz que sentia minha falta. O sorriso inesperado me afeta. Seguimos para nosso destino de labuta. Ele se despede mais uma vez, enquanto eu fico. Resolvo assumir o seu lugar naquele ofício, um homem sentado de cócoras, não se move, parecendo uma estátua. Tento manusear os instrumentos para arar a terra, mas eles escapam, meus passos parecem descompassados, parece fora de órbita, a gravidade se tornou desfavorável.
Chego em casa. Não na minha, mas na dele. A esposa deitada após um dia de trabalhos domésticos. Só existe uma cama e compartilhamos. Eis que no beiral da porta, surgem olhares curiosos, rostos que visualizei durante aquele dia atípico. Dentre eles, a da menina, com aquelas cabelos loiros encaracolados, uma reprodução angelical típica, que com malícia me diz algo. Consigo perfeitamente fazer a leitura labial. Ela diz, “fode ela”. Olho para o lado, percebo as formas da mulher, a genitália se agita, enrijece. Penso no marido daquela criatura. Deito, deixando o corpo roçar o dela, enquanto só a menina observa, agora com olhos diabólicos e um sorriso demoníaco.