Uma Bala

Estou sendo conduzido, dentro de um veículo que não pude identificar. O capuz sobre minha cabeça me faz ter a sensação de escuridão o tempo todo. Siinto o movimento do veículo, o destino já me foi revelado. Logo estarei em algum local, ainda com o rosto encoberto, recebendo um tiro, uma única bala que atravessará minha fronte, com intuito de me privar da vida. Não sei o motivo, apenas me foi informado que esse será o meu fim, sou como um livro sem início, onde apenas as páginas finais tem para mim uma realidade palpável. Na verdade quando ocorrer deixará de ser real, pois agora me pergunto o que é isso que a tanto tempo questionei interiormente. A morte sempre pareceu uma sombra pronta a me engolir, agora vejo as amígdalas dessa boca fúnebre, balançando em uma espécie de badalo macabro.

Sonhava em fazer ainda tanta coisa, mas tantos sonhadores são surpreendidos e deixam de existir sem a conclusão de seus sonhos. Sou apenas mais um, arrancado dessa existência como aquela formiga que esmaguei meses atrás. Era tão insignificante, agora o insignificante sou eu. Espero apenas que não seja dolorido, a bala deve ser precisa, para que minha partida seja instantânea. Ao mesmo tempo, espero que o tiro nãao seja adequado, para que eu tenha alguma sobrevida, pois gosto de viver, não consigo me imaginar fora desse mundo, por mais que sinta ódio por ele em diversos momentos. Pessoas se perguntavam se existe um deus, nunca me importei com isso, agora saberei quem de nós estava certo.

Essa dúvida é pior que a morte. O inseto é pego desprevinido, eu estou sabendo a respeito e isso me angustia. Estou sob uma expectativa absurda, indo para um abate. Se tudo for escuridão, apenas darei prosseguimento a essa visão que o pano me priva. Dizem que recordamos no momento final de momentos da nossa vida, mas já faço antes mesmo do tiro me acertar, o caminho parece interminável, Chronos parece se divertir, fazendo o tempo correr lentamente, ou melhor, ele vagarosamente se desloca. Em muitas ocasiões senti as horas voarem, agora, no momento de desespero, parecem lerdas, talvez para me concederem um momento a mais de vida. Será que todos se sentem assim diante da confirmação precoce da morte, ou apenas eu, por ser covarde?

Não espero encontrar parentes mortos, já consigo contemplar meus olhos vedados, um nada envolvendo-me por inteiro. Queria mesmo continuar vivendo. Dói a minha incapacidade de modificar uma situação que não me favorece, são os outros que decidirão por mim. Podem me deixar sobreviver, o que não acredito que façam. Sinto vontade de praguejar, pedir que andem logo com isso, mas sou medroso demais para isso, estou no fundo desejando que ocorra um acidente ou algum outro acaso que me faça sobreviver. Talvez eu mereça isso, mas sou cético demais para pensar na ideia de castigo, a vida é uma mera loteria, eu fui contemplado com um bilhete que a maioria não deseja ser contemplado.

Logo serei um cadáver, mais um daqueles esquecidos. Chorados por um tempo, mas depois nem a terra guarda sobras, vamos nos desfazendo. Claro, terei uma ossada. Coloquem uma fileira de ossos e vejam a semelhança entre os mortais. Estudamos, aprendemos, mas no final de que vale tudo o que foi vivido, já que seremos reduzido a isso, ou seja, essa coisa esquecida que se mistura a outras tantas vidas que estão operando. Outros foram antes de mim, outros irão depois de mim, estou apenas fazendo parte do ciclo, a diferença é a forma como ocorreu. No meu caso, uma baça alojada na fronte, mas todos iguais no quesito morte.

Terei um adorno, aquela perfuração do projétil no crânio, deixando impresso na ossada, a marca do motivo de privação de uma vida. Nessa perfuração que terei mergulhado, em um sono profundo, feito apenas de escuridão, onde tudo se dissolve, restando apenas o nada que engolirá cada realidade desse mundo absurdo.