Pânico
Esse lugar, cheirando a mofo. Os bolores escuros que são do mesmo matiz de meus hematomas. Onde estou? Ninguém me escuta aqui. As paredes mudas me comprimem, sufoco nesse quarto que é alcova carcerária. As mãos trêmulas tentam buscar uma fresta, mas apenas encontram madeira com farpas que rasgam a pele, adentrando sob as unhas. Perdi minhas unhas cavando as paredes, agora só carne de ponta de dedos despregadas. As trevas são minha acolhida, ao mesmo tempo o destino incerto oculto atrás da cortina negra. Os piores monstro imaginários se rendem a dolorosa realidade, que me subjuga sem trégua. Sou um corpo sem história, abandonado em um covil, sendo feito de restos de ratos que aguardam a espreita para poder saciar a fome com meus restos.
Arrancando os cabelos não me desespero menos. Os fiapos soltos no chão parecem um sobra daquilo que um dia fui, ajudam a contabilizar esse tempo infinito de clausura. Não se contam mais os dias, as horas, apenas a próxima dor, que sempre supera a anterior, pois o terror não o torna mais adaptado ao pânico, apenas o faz lembrar do próximo desespero. Por isso afundo os dedos sobre os olhos, esmagando o globo ocular, um Édipo que tenta não ver mais, só que os outros sentido me farão enxergar. Verei através do aroma de podre, da audição que busca os berros, do gosto nauseante, do tato que é o horror vivo. São garras que riscam minha pele, causando escarificação.
Sangro mais do que um dia imaginei suportar, formando poças que são absorvidas. Muitas vezes secam e me fazem vomitar sobre elas, habitando com esse perfume singular, que adentra as narinas e chega ao cérebro, fazendo menção do que me tornei. Uma coisa. Apenas isso. Rastejando nos próprios dejetos. Deitado de bruços absorvo o que expeli, ainda sentindo a acidez da urina que vem junto, feito apêndice de uma glutonaria pútrida. Os dedos que foram perfurados por pregos, já doem sem importância, assim como as falanges dos pés esmagas a golpes de marreta. Se pudesse ao menos saber o que me levou a estar aqui. Mas nunca sabemos, apenas sentimos e no máximo cogitamos. Sendo que esse sentir já demonstra uma falsidade, mas que tem a arrogância de se fazer verdade, impondo através do sofrimento o seu status.
Os poucos dentes restantes, que não foram arrancados pelas pancadas, são extraídos com facilidade, bastando projetar o maxilar na ripa de madeira, forçando a cabeça, em um movimento que faz estalar, enquanto as gengivas sangram o que podem. A língua que foi decepada em uma mordida obrigada, perdeu a utilidade de fala, assim como a delicadeza do paladar. O nariz é maleável, já que fora esmigalhado. Apenas uma orelha, já que a outra fora cortada por tesoura afiada, ficando o conduto auditivo exposto como uma espécie de narina auditiva projetada na lateral do crânio. Chorar é algo que flui no começo, depois se torna um prazer raro que acaba desaparecendo, deixando o sangue servir de lágrima, gotejando pelos poros feridos.
O gozo são excrementos que vazam de acordo com a agonia, não apenas pelo temor, mas também pela pressão do golpe que faz os esfíncteres cederem, os intestinos são forçados a trabalhar para que algo seja excretado, mesmo eles próprios tenham que sair pelo orifício anal ou outra abertura feita por corte preciso no estômago. Ficando pendurados e sendo carregados no colo feito um recém nascido serpente, que se aconchega aos braços que dão suporte para que não desabe ao solo. Ajoelhado diante do absurdo, não há deus que acuda, nem demônio que interceda, apenas a fria crueldade humana, com olhos malditos que aparecem nas sombras feito uma aurora nefasta, para depois diluírem em uma espécie de crepúsculo hediondo. O desejo é que esse sol não venha nascer novamente, mas ele persiste e minhas forças não me concedem nem mesmo o suicídio, por isso imploro calado que o corpo venha sucumbir na próxima aurora sem a necessidade de chegar ao crepúsculo, para que não exista esperança de um novo amanhecer.