Sabbath

Mais um sábado que saio pela madrugada. Errante andarilho que caminha sob o olhar prateado da lua. Espreitando sua vítima em uma praça central, que possui pontos desertos que fazem os freqüentadores gelarem ao se depararem com o vazio existente naquela vastidão verdejante. Uma coruja observa, com seu olhar de predadora rapina. A mulher imaginando ser um assalto, quase consegue esboçar um grito. Mais a faca atravessa seu ventre, a lâmina perfura em uma profundidade que abafa o som da voz, deixando-a entregue ao frio assassino, que perfura mais doze vezes, retalhando aquele corpo balzaquiano.

O corpo abandonado, que seria descoberto na próxima manhã, por um aposentado que fazia a caminhada matinal. A polícia sem saber como encontrar o executor, que já cometera seu nono crime, sem nunca deixar pistas. O aumento das rondas não favoreceu descobrir qualquer vestígio, nem mesmo testemunhas ao acaso, tudo parecia favorecer o instinto feroz do matador, que não escolhia sexo, idade, etnia. Sua lista contava com cinco mulheres, dois homens, uma criança e um idoso. O modus operandi eram facadas que retalhavam o corpo da vítima, o mesmo objeto cortante, os cortes precisos demonstravam pertencer à mesma lâmina.

Tudo iniciara em um sábado, quando os pais festejavam o aniversário de casamento. Um adolescente, que aguardou o momento oportuno. Filho único. Com o pai exausto, após chegar do trabalho, retirou a faca da gaveta de talheres, diferindo vários golpes contra o peito do homem que dormia. O olhar de pânico não impediu as fortes estocadas. Depois veio o desfalecimento, quando os últimos suspiros silenciaram. A mãe, ao chegar, indo direto ao banheiro se refrescar por causa do corpo suado após caminhar embaixo de sol forte. Fora surpreendida no chuveiro, os gritos ecoaram enquanto era mutilada pela faca que não consentia ser detida.

A autoria dos crimes foi atribuída a um ladrão, o adolescente atuou de forma convincente, jamais encontraram o suspeito. O dinheiro supostamente furtado corroborou a tese de latrocínio. O verdadeiro executor, usufruíra do dinheiro roubado, além de receber auxílio por parte das autoridades públicas, além de tratamento psicológico pelo trauma sofrido. Seu psicólogo seria uma das vítimas, pois cansara de ludibriar o analista, partindo para um ato feroz em uma chuvosa madrugada de sábado. O consultório foi o palco do hediondo crime, os próprios olhos foram arrancados das órbitas do especialista, fazendo com que outro paciente fosse acusado.

Os peritos não desconfiavam que outros homicídios seriam do mesmo assassino, totalizando mais de trinta mortes. Não guardava troféus, sua ânsia era pela faca adentrando a carne, rasgando músculos, fazendo jorrar o sangue. O exercício com animais, facilitara a perícia com a arma, embora destrinchar cães, coelhos, gatos, não era comparado ao horror que causava em seus iguais. Só agia aos sábados, de madrugada, nunca em locais repetidos. Chegando a viajar para pontos longínquos, com intuito de não facilitar a demarcação do seu território de ação. Nem os cadáveres de necrotérios suprimiam seu desejo de assassinar. Precisava de um corpo humano vivo, o prazer era o desespero da vítima diante de cada punhalada.

Casou-se, tornando um pai de família respeitado pela comunidade. Em um sábado primaveril, apunhalou a esposa na cama que fizeram amor antes de dormir. No berço localizado no quarto ao lado, liquidou o bebê que conceberam. Sua obsessão foi maior que a prudência em resguardar-se. Logo conseguiram ligar os fatos, sendo preso e condenado por cerca de oito crimes. Na cadeia, cometeu o assassinato de um guarda e quatro presos. Armado com uma faca, roubada da cozinha, em um sábado, dia de visitas.

Agora, após uma rebelião ocorrida em um sábado de dezembro, está sendo apunhalado por todos os presos do pavilhão, sente-se feliz ao sentir o prazer das facas que fazem expulsar de cada orifício aberto, um pouco do seu desejo de morte. Pode até mesmo vislumbrar a face de algumas de suas vítimas. Sorri diante do sofrimento, enquanto desfalece em meio a brutalidade dos outros detentos, que já suspendem seu corpo mutilado e o jogam prédio abaixo, servindo de pasto para os cães do pelotão de choque que já começava a invadir o presídio.