O Afiador de Facas
Andando por ruas movimentadas, apesar de desertas por manter-se solitário. Assumindo uma postura misantrópica, indiferente ao turbilhão de gente que lhe parece obstáculo. Guarda a lâmina afiada durante a madrugada. O objeto escondido no bolso do casaco, a todo instante a mão toca o local que o guarda, para certificar-se de estar ali. O desejo de revelar sua obra-prima. O dia lhe parece um martírio, pela luminosidade que agride as pupilas. Seus trajes modestos o tornam comum, a ponto de ser ignorado. Desertificando-se ainda mais.
A noite se aproxima, sente a ansiedade que aumenta as batidas dentro do peito. Solta o ar lentamente dos pulmões. A mão estendida em posição de esmolar. Sendo rejeitado pelos passantes. Uma lhe chama a atenção, insiste com o gesto, mas só obtém desdém. Caminha imperceptível no encalço da orgulhosa mulher. Ao tocar-lhe o ombro, o gesto de repulsa repetido foi seguido de um gemido. A lâmina cortara-lhe a delicada mão, que sangra de forma contida.
No beco escuro, a arrogância dá lugar a súplica. Na falta de quem lhe acudisse, pensa em gritar. Mas a faca na garganta a faz emudecer. Seu algoz não omite sons, apenas lança olhares frios, que a fazem estremecer. Arrastada até um ponto mais sombrio, é lançada no solo. Tornar-se imunda, como tudo aquilo que desdenhara, sujando suas roupas bem tratadas. Os cabelos, agora desgrenhados, ainda demonstravam petulância. Apenas um corte, preciso, a jugular dilacerada.
As lágrimas logo cessaram. A calça fora aberta com a mesma lâmina, lacerada pelo objeto cortante, expondo pernas pálidas, ainda mornas. A calcinha facilmente retirada, u8ma vulva com pelos pubianos em vasta quantidade. Sacando um recipiente com essência de alimento, borrifando um aroma pútrido sobre o corpo ali parado. Em seguida, cobrindo de migalhas de alimentos, abrindo o porta-malas de seu veículo, retirando uma caixa com conteúdo vivo. Ratos ali criados, ansiosos por alimento, deixados sobre o cadáver, para que se fartassem.
De volta a sua morada, contemplando diversos objetos cortantes em um cômodo feito para abrigá-los. Com cuidado e destreza, retirou a faca que lhe serviu de arma assassina, tornando a afiá-la. Deixando a lâmina impecável. Servira-se de outro instrumento, agora serrilhado. Mais um dia sob a luz que lhe agride. Suportando o hábito diurno, passivo diante da claridade angustiante. Quando chega mais uma noite, a satisfação retorna como um novo fôlego.
Uma casa, afastada das demais em um bairro de classe média alta. Toca a campainha. Aguarda que venham lhe atender. Sabe que a moradora está só, vigiara a moradia por semanas. A jovem, dirige-se receosa, não conseguindo identificar quem seja pelo olho mágico. Visualiza um idoso, parece adoentado. Abre a porta, é surpreendida. O agressor, a tomou pelos cabelos, lançando contra a parede, o impacto da cabeça a fez quase perder os sentidos.
Retirando a peruca e barbas postiças, revelou um aspecto mais jovial. Passara a faca serrilhada na cocha da jovem, que iniciou um grito, que foi interrompido com a arma em seu pescoço. Levada até o próprio quarto, despida, sendo amarrada e amordaçada na cama que tantas vezes a acolhera. O abdômen sendo perfurado diversas vezes, os lençóis brancos sendo tomados por tom púrpuro. A porta se abre, os pais da jovem adentram o recinto, ignorantes em relação ao já ocorrido, não percebendo nada que denunciasse o invasor. O marido dirige-se ao quarto do casal, com intuito de retirar a roupa de festa. Vieram de uma comemoração familiar, o enlace matrimonial de um parente.
No primeiro momento dentro do quarto, é surpreendido com um golpe que o desfalece. Uma pedra que servira de peso para a porta, o deixou inconsciente, em seguida sendo estripado sobre o tapete que o casal tanto enaltecia. A esposa, na cozinha, degustando água gelada, devido a sede causada pelos alimentos consumidos, já retirara o sapato de salto que lhe incomodava os pés, ficando descalça sobre o piso frio. Em um abraço por trás, sentiu a lâmina penetrar-lhe as costas, tendo a ponta saído pelo tórax. Ainda conseguiu se virar e contemplar os olhos do seu assassino, tombando nos braços do seu opressor.
Saindo em seguida, abandonando os corpos nos locais onde foram executados, para facilitar o trabalho da perícia. Retornou a seu recinto. Mais uma vez, afiando o instrumento utilizado, deixando-o guardado junto com os outros, cada um com seu local cativo. A imprensa noticiava assassinatos que a polícia possuía dificuldade em solucionar, provavelmente autores distintos, pelo modus operandi diferenciado. Dormiu com a consciência tranqüila. Satisfeito com a sensação de dever cumprido. Mais um dia se aproxima, o sol já espreita com seus raios inconvenientes. Mas não existe na região em que vive, um dia sequer que não venha acompanhado de uma noite.