O Último Drink

Saíram em uma noite acalorada, andando pelas ruas escuras. Madrugada movimentada, bares cheios, risadas fazendo eco em becos sombrios. Após um jantar com refeição leve, regado a vinho barato, porém de boa qualidade. Conversa descontraída, olhares furtivos às mesas que os rodeavam. Algum bom humor perante a garçonete, que no fundo dos olhos, demonstrava aquele desprezo por ter que servir.

Chegando no apartamento, sentaram no sofá, o intuito seria beber um último drink, servido em taças. Após sorver todo o líquido, o homem se aproxima. As mãos contornam o pescoço delicado de sua companheira, os dedos se encaixam, formando um colar opressor. A mulher ri, pensa que se trata de uma brincadeira. A força da pressão desfaz a risada. Se debate em vão.

As mãos fortes a estrangulam, modificando a tonalidade de sua face, a expressão de horror toma conta daqueles olhos de jabuticaba. O ar lhe falta. O agressor também não respira, na ânsia de concluir o ato. Ouve-se o estalar de ossos, a cabeça da vítima pende, o brilho do olhar desaparece. As mãos ainda apertam por longos instantes, na vontade de certificar a morte.

Em cima da mesa, apenas as duas taças, somente a da mulher conservara um resquício de vinho, fora privada do último gole, em um último drink, onde viu pela última vez, as mãos que lhe apertaram na última hora, sendo a última cena desse espetáculo dos horrores, onde se fez de vítima e expectadora. O olhar feroz do assassino foi a lembrança tumular que restara, para a sua agonia cadavérica.

Era uma música instrumental que tocava ao fundo, sem voz, como ela se tornara, sufocada, muda, estrangulada. Odiava sua vida, pensava que agradeceria a alguém que um dia a assassinasse. Agora sabe que odeia quem lhe tirou a vida, odiar a vida ainda é viver. Nem uma oração de consolo, nada de pensamentos confortáveis, apenas o desejo de livrar-se da situação e o desfalecimento. A vida não é cinematográfica, teatral, romanesca, faz-se apenas rude, brutal, assassina.

As lágrimas não escorreram, seu choro foi a dor dos ossos estalando. A falta de ar, um suspiro sufocante que lhe fez deixar de respirar. Acreditou que estar menstruada naquele momento seria a sua maior tragédia, agora sabe que nem trágico era ou viria a ser, se somasse a condição fisiológica à condição de uma mórbida lógica. Não é mais gente, apenas um cadáver, resto de pessoa para perícia.