Olhos Noturnos

Olhos. Malditos olhos que não me deixam dormir. É o Diabo me fitando. Na escuridão, posso ver a pupila brilhando. Essa luz pequenina me aflige grandemente. Não sei a que ser pertence, quando apago a luz, desaparece. Com certeza é algo sombrio, chegar causa arrepio. A visão é direcionada a mim, sinto até quando fecho minhas pálpebras, sei que sou observado, isso me angustia. Sem ver, sei que sou visto. Esses olhos me perscrutam, me reviram do avesso, enxerga minhas entranhas. Duas órbitas flutuantes no mar de trevas, flutuantes como algo perdido no mar, mas fixos feito farol. Deve ter um corpo, mas só consigo contemplar o olhar da criatura. Um demônio negro. Embaixo das cobertas ele me encontra, dentro do armário eu sei que estará do lado de fora a me esperar.

Pensei que poderiam ser os olhos de deus, mas penso que se assim for, não desejo ver essa presença divina. Eu pago a luz e ele aparece, talvez esteja presente no claro, mas não o enxergo. Acredito que as pupilas sejam tão brilhantes quanto a luz solar, minha visão se perde, sem contemplar. Basta a luz ausentar, que a figura retorna, feito sombra insinuante, sombra ao contrário, já que se manifesta como resta reluzente no obscuro. Quero vazar esse olhar, perfurar com pregos, utilizar qualquer objeto pontudo, para atravessar essas órbitas malignas. Arrancá-las do corpo, se tiver um corpo, como pescadores arrancam os olhos dos peixes, fazendo essas bolas de gude rolarem pelo solo, para esmagá-las com violenta pisada.

Eles brotam do campo escuro, feito algo horroroso que foi possível germinar. Emerge do abismo negro, impondo sua forma vítrea. Tateando em volta, sinto tocar algo. Deve ser o corpo da criatura. Mas não se mexe, deixa eu apalpar. É liso, sem pelos, nada de curvas, apenas extremidades com ângulos retos. Devo estar tocando alguma parte da mobília, pensando ser ele. Agora sinto algo macio demais, provavelmente algum tecido. A escuridão se tornou bruta, não consigo vislumbrar nada além daqueles olhos noturnos. O loção se tornou um universo, onde existem apenas duas estrelas. Sou um perdido nesse espaço, guiado por algo que sinto querer me destruir. Uma caça atraída para a emboscada. Gostaria de saber que horas são. Não enxergo um palmo a frente, quem dirá um ponteiro.

Tenho relógios digitais, mas tudo se apagou. Acesos, somente esses medonhos olhos. Agora posso ver que existe mais escuridão dentro deles, algo além da que parece rodear-nos. Se mergulha nestas órbitas, me tornarei escuro até diluir em um poço sem fundo. Só encaro de soslaio, percebendo um vulto de retina. Minha imagem não é refletida, pareço um vampiro sem imagem diante de um espelho ocular. Não sei o que faço. Aqui só tenho a ele. Como recorrer ao meu próprio inimigo? Ando de um lado para o outro. Se gritar a voz se voltará contra meu próprio ser, já que estou só, ou antes, mal acompanhado. Queria saber desde quando apareceu em minha vida essa figura? Nem sei quando eu apareci na vida, se é que algum dia fiz parte dela.

O receio, é se morrer, suicidando-me, poderei ficar preso em um caixão, com estes olhos. Uma eternidade contemplando pelo algoz insistente. Se fosse cego, não teria cruzado com isso. Mas de pálpebras fechadas, ainda consigo ver. Será que vejo de olhos fechados por um momento ter visto com eles aberto? Se fosse cego, os olhos fechados sempre, ou abertos com a visão fechada, poderia não ter sofrido tal agonia. Se for cego agora, não apagarei o que um dia vi, serei perseguido em minha cegueira. Sou cego para o resto, já que me detenho em apenas uma visão. Minha vontade é fazer como Édipo, vazando-me as vistas. Mas com o herói grego essa medida não adiantou, quem dirá em relação a minha pessoa, um inglório, mais facínora do que ídolo. Devo merecer essa maldição, se existisse um deus, poderia culpá-lo por isso. Na falta de algo divino, sou preenchido por essa suspensão ocular, que me faz abominar a cada instante. Ainda que um deus existisse, odiaria esse cretino, por ter causado isso, ter permitido cada angústia nesse mundo entregue a qualquer coisa que queira se apropriar dele. Embora seja ele que se aproprie das coisas, até o dia que se torna coisa também, perdendo o sentido de mundo.

Moro sozinho, sei que não são olhos de outro. Pelo menos, não um outro que habite comigo de forma desejada. É um intruso que se alojou. Invasor que oprime minha propriedade. Sou impróprio até nisso. Mas também o faço dependente de mim, já que se alimenta de minha agonia. Darei doses de desespero para que se torne um viciado. Dependente a cada susto que me der. Inexistem interruptores. Cada gesto parece tornar tudo mais escuro. O que é isso? Algo tocou em mim. Mas não pode ser. Isso não tem toque, apenas olhos, Agora se tornou também tátil? Preciso fugir. Mas e se me agarrar? Me tocou de novo. Fui gritar. Mas tapou-me a boca. Estou sendo molestado.

Agora os olhos estão bem de frente aos meus. As lágrimas escorrem, mas não chegam na boca. A coisa bloqueou minha fala. O choro contorna o obstáculo demoníaco. Meus braços não conseguem lutar, estou inteiramente preso. Abraçado por vários braços. Se for divindade, é hindu. Quero morrer, preciso morrer, prefiro morrer. Me mate, se puder ler meus pensamentos. Faça. Estou envolvido em meus próprios braços. Minhas mãos tapam a minha própria boca. Os olhos de fora estão dentro de mim, sou meu próprio Satã, o Inimigo de Si. Agora é tarde, já cortei os pulsos. Achei o interruptor, para ver a cor vermelha, esvaindo. O meu eu desfalecendo. Tudo é nada, agora me entendo.