"NO BREU DA MEIA NOITE..." -contos de horror-
Noite escura e céu sem estrelas, nuvens espessas pairavam sobre a região, embora a época do ano, primavera, o clima normalmente não contemplava esse tipo de nuvem cinzenta ou coisa parecida. Essas nuvens formavam desenhos estranhos no céu, mas como diz o ditado: “Quem mal não pensa, mal não faz”, simplesmente continuei a fazer o que estava fazendo, isso é, beijando minha garota no portão de sua casa.
-Porque você não fica mais um pouco? Não tenho dormido muito bem, sempre com mau pressentimento. –disse ela com ar de preocupada-
-Não posso amor, amanhã tenho que estar cedo no quartel. Lembra? Eles são muito duros na disciplina. –respondi sensibilizado-
-Tá certo, mas muitas vezes eu tenho que pedir a minha Mãe que durma comigo em meu quarto, tal é a minha ansiedade. –completou a menina- Tenho a impressão que alguém está no meu quarto me espreitando. –disse ela-
-Como assim? –indaguei preocupado com o bem estar dela- Prometo que no final de semana eu ficarei contigo mais tempo, talvez eu durma no sofá da sala, se teu Pai permitir. –fizera a promessa para mostrar interesse em estar com ela-
-Então tchau Natália, se cuide, tá!...Fique com Deus no coração e pense sempre em mim. –despedi-me como sempre-
Passava das 23h50min, quando decidi ir embora, andando a pé. Saindo da residência da minha namorada para dirigir-me a minha casa, que distava a mais ou menos dois quilômetros dali.
Beijei-a pela última vez naquela noite (pensei: amanhã estarei aqui novamente, adoro essa menina) e dei inicio à caminhada. Nessa época eu servia ao exército Brasileiro em São Gabriel/RS, no 9RCB, onde tinha minhas obrigações como soldado recruta, mas nas horas de folga podia aproveitá-las a meu gosto e vontade.
Nesse período eu residia numa casa alugada localizada num bairro antigo, classe média, medianamente distante de onde eu estava, dividia essa casa e as despesas com mais dois colegas do exército. Uma edificação simples com cerca de sarrafos pintados de branco e diversos galhos, de tipos variados de roseiras entrelaçadas, contemplando vários tons de rosas numa gama enorme de cores e formatos. Na casa, havia um sótão, onde jamais havíamos entrado, por razões óbvias, sótãos sempre são muito sujos e cheios de teias de aranha, não era um local para se visitar corriqueiramente.
No portão, mais uma linda roseira formava um semi-arco, isso é, 180 graus, contornando totalmente o portão, do chão até a parte mais alta do mesmo, permeado de flores, as mais lindas da terra. Essa roseira nascia a partir de uma treliça atrás do portão, formando uma imagem muito linda, florida e colorida. Sempre havia um ou outro transeunte que tirava fotos ali, isso não nos incomodava, absolutamente.
Logo após minha saída da casa de Natália, andando normalmente, duas quadras depois eu avistei claramente um bola de fogo junto à cerca de um terreno baldio, isso localizado em mais ou menos uma quadra a minha frente. Parecia algo queimando, como lixo ou coisa assim, mas o formato do fogo era muito regular, uma esfera perfeita. Aquilo me intrigou, mas continuei andando estrada à fora, caminhando com certa rapidez, mas sem desespero. Os olhos grudados naquela esfera de fogo, sem descuidar dos demais ângulos. A rua deserta, sem calçamento, luz somente sob os postes de energia e mesmo assim, vez ou outra falhava um poste ou dois, assim, em alguns trechos era um breu da gota, escuro que só.
Um latido de cão aqui, ali, outros mais distantes e, eu, caminhando sem parar. Briga de gatos e outros ruídos, tudo se ouvia, até então nada me abalava. Chegando ao local do fogo, lembro-me bem que parei e me aproximei, o fogo havia sumido totalmente e não percebi restos de fogueira ou qualquer coisa similar, deveria haver, no meu entender, ao menos alguns resíduos, tal como brasas acesas, fumaça, etc... mas, como era uma noite muito escura, me conscientizei que talvez eu não tivesse condições de enxergar direito o local, fato que também não me preocupou, afinal, tudo mais parecia uma coisinha à toa, sem importância alguma.
No breu da noite, a impressão que eu tinha era que estava sozinho no meio do universo, que logo ali na frente poderia haver um labirinto do qual eu não escaparia, tal era a escuridão.
Foi aí que comecei a entender que a mente pode ser criativa e nos pregar peças sem sentido, utilizando-se da brecha que o medo deixa aberta. Essa linha de pensamento me dava algum conforto e ânimo para seguir firme e forte. Firme e forte, heheheh, nem tanto, afinal eu supunha que seria a minha própria mente zoando comigo.
Segui andando sem olhar para trás, estava eu com o fardamento de treinamento do exército e calçando coturno. Não portava arma nenhuma, de nenhum tipo. Mergulhado em pensamentos agora mais brandos. As vezes sorria levemente lembrando de passagens engraçadas da minha vida e de outras lembranças boas dos meus familiares, principalmente de minha Mãe que morava em Taquari/RS. Nisso, ouvi perfeitamente um tropel de cavalo, me pareceu um único animal, logo atrás de mim, foi quando virei o corpo e olhei para trás, sem nada ver. Segui. Ouvia também, perfeitamente, o animal bufando, como se tivesse acelerado. Ouvi ainda o ruído característico que o animal fazia ao mascar os freios. Interessante que o barulho era de cascos de cavalo, batidos no chão de maneira cadenciada, típico de cavalo “marchador”. A medida que eu prestava atenção, ficava nítido que era apenas um cavalo, me parecia que o animal andava em apenas duas patas, não em quatro patas, já que o cavalo é um animal quadrúpede.
Restava-me seguir andando e foi o que fiz, agora, já não tão tranqüilo, minha pulsação aumentara.
Procurei o autodomínio, pretendia me controlar para evitar o pânico, embora a vontade de sair correndo fosse muito grande. Interessante que sob a luz artificial oriunda dos postes, o tropel cessava. No escuro voltava o tropel assustador. Quando passei por um bairro onde havia maior número de habitações, me pareceu normalizar a situação, o tropel cessara totalmente. Tive enorme vontade de chegar numa daquelas casas e pedir abrigo. Mas o que eu diria? Que estava com medo de algo que não via e não sentia? De uma assombração? Não! Isso não! Conheço-me o bastante para não assumir uma situação ridícula dessas. Levantei a cabeça, pensei em Deus e voltei a pisar forte no chão. Isso me animou, portanto, não parei de andar.
Essa situação foi se alternando por todo percurso, onde não havia luz, que tudo era muito escuro, o tropel voltava. Quando estava minimamente iluminado, o tropel cessava. Assim foi até eu chegar a casa. Fui me aproximando do bairro onde morava.
A rua da minha residência se apresentava escura como sempre, silêncio absoluto, exceto algum latido de cão mais hostil, tal qual o trecho inteiro que eu havia percorrido. Ao avistar minha morada, obviamente o portão se postava parcialmente iluminado face que a lâmpada estava posta no oitão do prédio, pelo lado de dentro do terreno e apresentava uma luz muito tênue, que mal iluminava o portão e a porta frontal da casa.
Ao me aproximar, notei certa ventania localizada, bem focada sobre a treliça e o roseiral, sacudiam demasiadamente toda a estrutura de madeira, como se houvesse um macaco travesso sobre essa treliça, formando um bailar ímpar e amedrontador para qualquer pessoa, mesmo aqueles mais destemidos, que não era o meu caso.
Eu, não era um sujeito medroso, ao contrário, enfrentava quase tudo, desde que pudesse ver e sentir. Já, aquilo que é abstrato, sem materialização, isso então, já não era comigo. De toda forma precisava chegar em casa para descansar e dormir, no dia seguinte haveria de cumprir meus compromissos com o exército, que não perdoava as falhas de seus soldados recrutas.
Ao levar a mão para abrir o portão, uma nuvem de fumaça mal cheirosa levantou em espiral bem na minha frente, questão de dois metros de distância. Cheirava a chifre queimado ou óleo queimado, sei lá, era horrendo e nesse momento eu tremi na base. Simplesmente comecei a bambear as pernas e fui fraquejando. Como bom soldado, reagi de repente, levantei a cabeça e vi um rosto demoníaco em minha frente, na verdade, não sei se era medo, se verdade, se alguma brincadeira de mau gosto, se minha mente produzindo efeitos fantasmagóricos para me assustar ainda mais. Um calafrio me percorreu o corpo, pela coluna dorsal, da cabeça aos pés. Tive a nítida impressão que iria desmaiar, literalmente.
A situação estava posta, eu precisava decifrar aquele enigma, porque o meu objetivo era entrar em minha casa e haveria de entrar. Pensei em Deus, o todo poderoso, o criador. Senti um rápido enrijecimento da musculatura e com fé em Nosso Senhor, encarei a criatura, sem saber no que daria.
O vulto se materializou bem na minha frente e se interpôs entre eu e o portão, deixando claro que sua intenção era não permitir meu acesso à casa. Novamente um arrepio me percorreu o corpo, de norte a sul, de leste a oeste, isso se geograficamente podemos estabelecer parâmetros para comparação e definição. Reuni coragem não sei de onde, sei que parei de tremer, talvez tenha acionado o instinto de sobrevivência. Senti e pressenti, que era um momento fatídico, crucial para a minha sobrevivência, questão de vida e de morte. De luz e de trevas. De coragem decisiva e de vontade de viver. Portanto, ficava claro que eu precisava de discernimento, sorte e coragem para sair daquela enrascada. Mas eu, embora com as pernas meio bambas, estava ali, com uma vontade amazônica de viver.
Aquela figura sem definição, se de homem, se de animal ou qualquer coisa que fosse de outro mundo, parado em minha frente sem nada dizer, apenas gestos de ameaças. E eu do lado oposto, tremendo de medo e com uma vontade louca de que aquilo não passasse de um pesadelo, haveria de ser, sei lá...
Fui curioso, por querer ou sem querer, não sei, e, olhei para seus pés e vi perfeitamente os cascos de cavalo, eram apenas duas patas. Levei mais um choque de medo e lembrou-me do tropel de cavalo na rua, mas não me afastei dali, nenhum centímetro sequer!!!.
Nesse momento, instintivamente levei a mão ao bolso, como se procurasse uma arma, faca ou qualquer objeto pontiagudo que pudesse me defender, eu não possuía armas, fora apenas um gesto automático, também não sabia se era o mais adequado, pois se espiritual era, então o ferramental de defesa seria outro, seria a oração, seria a concentração no Divino ou qualquer outra ação de natureza religiosa. Reação física de nada adiantaria.
Na seqüência, ainda com a mão enfiada no bolso, senti que meu terço estava lá no fundo, aliás, sempre meu terço estava comigo, peguei-o com a força da fé e, já com a mão no crucifixo, levei-o em direção ao meu detrator. Esse se afastou lateralmente, rosnando e soltando algum rugido indecifrável, e, em forma de rodopio sumiu entre o roseiral, momento exato em que estremeci e o arrepio novamente andou passeando pelo meu trêmulo corpo. Consegui com algum esforço mover minha perna direita para o primeiro passo em direção ao portão. Abri-o com facilidade, não sem ranger como de costume, já que era de ferro.
-Obrigado Deus. Estou livre desse fenômeno. Graças. –falara comigo mesmo-
Já no interior da casa, com as luzes acesas, todas elas, e depois do som ligado na rádio Gabrielense, onde tocava uma musica de Cesar Passarinho, intitulado “Guri”. Eu não ouvia a música, estava impressionada demais para apreciar tão linda melodia. No mesmo diapasão, um de meus colegas gritou lá do seu quarto:
-Apaga a luz aí tchê!! Preciso dormir, amanhã cedo tenho que trabalhar. – bradou ele em alto e bom som como se tivesse dando uma ordem-
-Está bem, apagarei já – respondi sem pestanejar, havia um acordo entre nós nesse sentido –
A casa voltou a ficar em silêncio, exceto o som baixinho do rádio, que nessa altura já tocava outra música gaúcha.
Resolvi então não contar nada a eles. O outro parceiro dormia o sono dos justos no seu cafofo. Na verdade eles não ouviriam com atenção, não dariam crédito ao meu relato, ou mais, me chamariam de mentiroso, medroso e assim por diante. Preferi não arriscar. Fiquei calado, mudo, mudinho da silva. Não pretendia ser vítima de gozações e zoadas lá no quartel.
Após o banho, desliguei o rádio e fui para baixo do cobertor, na tentativa de dormir, se conseguisse. O meu despertador sinalizou sonoramente a chegada das 3h00 da madrugada. Eu ainda não havia conseguido pegar no sono, face que minha mente trazia à tona todo o drama que havia vivenciado a poucas horas atrás.
Drama, medo, dúvidas, todo tipo de sentimento e de questionamentos me passavam pela cabeça, buscando uma explicação, por mais superficial que fosse. As indagações continuavam quando vi o relógio sinalizar 4h00 da manhã. Nesse mesmo instante, concomitantemente, ouvi o barulho de um banco ou cadeira arrastando, tudo isso dentro do meu quarto, ali, bem ali aos pés da minha cama. O ambiente era enorme, super dimensionado, com o pé direito bem alto, típico das construções antigas, que era o caso. O objeto continuava a ser arrastado, parecia ser em minha direção. Novamente meu corpo experimentou um arrepio, do dedão do pé ao último fio de cabelo.
A situação já se mostrava demasiada para eu poder aturar sem tentar uma solução. A razão mandava-me tomar alguma iniciativa para fazer cessar aquilo tudo. Poderia ser brincadeira de meus amigos, poderia ser provocado pela minha imaginação, pelo simples fato de que nessa altura eu estava sensibilizado por tudo que passara. As dúvidas se multiplicavam e a imaginação se deleitava criando imagens e sons que talvez não existissem verdadeiramente. O certo é que eu não queria pagar um mico, logo a agonia aumentava e suor frio tomava conta de minhas mãos, pressionado meus batimentos cardíacos, fato que também me preocupava.
Pus-me em pé e tentei acender a luz que não acendeu. Com o isqueiro que sempre estava sobre o bidê ao lado de minha cama, fiz uma breve
e deficiente chama, que me permitiu ter uma idéia do que acontecia no interior do meu quarto.
-Falei alto e em tom de ordem: Quem estiver aqui no meu quarto que se apresente, não tenho medo de nada. Não adianta querer me assustar, vocês já sabem que não sou cagão. –Usei de psicologia, falei no sentido dúbio, poderia ser para algo ou alguém desconhecido ou poderia ser para meus amigos caso eles estivessem pretendendo me assustar.
Nada, nem ninguém respondeu. O suposto banco continuava a ser arrastado e, aí, nesse exato momento, eu tremi como vara verde. Lembrei do filme “O exorcista”. Foi a gota d’água. Meus cabelos ficaram literalmente em pé, meus membros superiores e inferiores estavam arrepiados feito superfície áspera.
O camiseiro estava fora do lugar e ao lado estava postada a silueta do meu amigo Antonio, ao menos parecia ser ele. O vulto permanecia estático e apenas com uma das mãos arrastava o móvel para um lado e outro.
-É hoje! Balbuciei comigo mesmo. Rezei Meu Pai do Céu, me ajude nessa empreitada, preciso de uma luz que me diga do que se trata, de como eu posso enfrentar esse fenômeno. Preciso saber também meu Pai do Céu, porque logo eu fui contemplado com essa perseguição sem sentido, afinal não faço mal para ninguém. Por favor, me ajude, por favor.
Nisso, ainda fechava minha boca da última expressão pronunciada, diante da luz do isqueiro que já queimava meus dedos, consegui avistar mais definidamente o meu amigo e colega de moradia Luiz Antonio.
-O que é isso Antonio, o que estás querendo fazer comigo, heim? – o inquiri com propriedade- Afinal, isso não é brincadeira que se faça com ninguém.
- conclui-
Falava com Antonio porque era o corpo dele que estava na minha frente, num comportamento estranho, mas quem respondeu foi...
-Num si meti onde num é chamado, viu? Você está visitando a menina chamada Natália - disse ele enquanto se contorcia, usando um linguajar chulo, tom de voz grave e um tanto rouca -
-Ela é minha. –concluiu a besta ali na minha frente-
-Mas... mas... Gaguejei... Você é Luiz Antonio, meu amigo e que mora aqui comigo?! Lembra?
-Sou nada, eu tomei emprestado o corpo dele, fiz dele meu “cavalo”, para poder te dar essa mensagem. Ou você deixa a menina em paz ou eu te mato, ouviu? –retorquiu a fera com voz grossa e entonação destorcida-
Pareceram-me ameaças sérias.
Antonio estava com os olhos esbugalhados, babava pelo canto da boca, contorcendo seu corpo qual um contorcionista de circo. Aquela imagem era horrenda e me deixava cada vez mais inseguro e assustado. Percebi então que se tratava de um espírito maligno, vindo das trevas ou do umbral, que se apoderara do corpo do meu amigo e utilizava-o para poder se comunicar comigo e fazer-me as ameaças que desejava. Havia chegado a hora do confronto entre eu, despreparado para tal embate, do outro lado, um espírito mau, vingativo e experiente. Eu, inexperiente, não sabia como começar, nem sabia tampouco no que e como iria terminar. Nisso ele tomou a iniciativa:
-Escuta aqui seu bosta. –ameaçava ele com um palavreado chulo e tom de voz muito grave e ameaçador- Você deve sair fora daquela casa. Aquela menina é minha e ninguém irá me tirar, nem mesmo você, tá me ouvindo? Não quero vê-lo mais lá!!!
-Mas quem é você? –indaguei depois de ter recuperado parcialmente o fôlego- -Sou o espírito de Manoel Gonçalves. Fui eu que construí aquela casa onde ela mora, fui morto no interior dela, de maneira covarde numa briga com o Pai dela. Ele ainda vive e desfruta da morada como se fosse dele. Mas ele cometeu um erro, enterrou meu corpo no quintal e não me proporcionou nenhum agrado espiritual para aceitar a morte física, portanto eu continuo lá, rondando tudo e a todos que se aproximam da família. –falou o espírito em tom decidido- Vou atrasar a vida deles, incluindo a menina, vou fazê-la adoecer, definhar até morrer. –concluiu-
-Sim, mas o crime foi cometido pelo pai da menina, não foi ela a responsável por essa tragédia. –retorqui- –observei com propriedade para ver a reação do espírito-
-É, tá certo, mas eu resolvi me vingar daquele crápula me apossando da filha dele. Isso está decidido. –afirmou o espírito ruim- É a única forma que eu tenho de me vingar é perseguir a menina até que ela, desesperada, fique louca, venha a suicidar-se, daí então, eu a levarei para o inferno junto comigo, já que essa é minha sina. –falava e se contorcia totalmente-
-Mas o que você quer em troca para não fazer isso? –indaguei de maneira provocativa, tentando uma saída para o caso-
Eu procurava dialogar com o espírito ao mesmo tempo em que buscava localizar o meu terço e o crucifixo, que já havia me salvado. Mas havia também o meu interesse em descobrir quem era aquela entidade, o que queria e, acima de tudo, descobrir como fazer para me livrar daquela situação inusitada e constrangedora. Nesse meio tempo, meu outro amigo que até então ainda dormia, sem ter a mínima idéia do que se passava ali, adentrou o ambiente ainda esfregando os olhos e deparou-se com o Antonio naquela situação absurda e totalmente dominado pelo espírito do tal Manoel Gonçalves. Na sequencia jogou-se sobre Antonio, numa tentativa de ajudar o amigo e livrá-lo daquele incomodo, e eu, que próximo estava, já com o terço/crucifixo na mão, passei a outra mão num copo de água que estava sobre o bidê e mais que depressa joguei a água sobre o rosto de Antonio e apliquei-lhe um belo blefe:
-Vá de retro coisa ruim, isso é água benta, você não irá resistir o poder Divino,
Nosso Pai Maior, DEUS!!!!. Deixe Antonio em paz. –disse-
Não concentrado, pus-me a orar, orar sem parar.
Miguel ainda no chão orava também.
Nesse momento a lâmpada fluorescente existente no teto do quarto explodiu, jogando cacos de vidro para todos os cantos e nos assustando ainda mais.
Ouviu-se um berro seguido de um barulho que lembrava um “bater de asas”, uma ventania da gota que avançou sobre a janela lateral e evadiu-se sem menor explicação. A vidraça estilhaçada batia contra o batente sem parar. Antonio e Miguel levantaram do chão perguntando simultaneamente o que estava acontecendo ali. O cheiro forte de cânfora e chifre queimado ficara mais forte e insuportável.
- Ainda assustado, meio rezando, eu sorri levemente, respondi sucintamente aos dois amigos:
-Foi nada. Nada mesmo.
Antonio por sua vez recuperava-se ao mesmo perguntava novamente o que teria havido ali. Limpava sua roupa dando pequenas tapas na mesma. Nada ouviu como resposta.
-Outro dia eu contarei para vocês, hoje não. Vocês não acreditariam mesmo! –respondi com a segurança de quem sabe o que faz – dei a resposta com uma boa dose de sarcasmo, mas não menos inseguro-
Nota: Relatei o fato aos meus amigos somente dois meses depois. Sabe o que eles disseram? MENTIROSO!!!!!! (Eu não disse que não deveria contar??!!)
Autor: RENÉ CAMBRAIA – Maceió/Al.