Zacarias
Sabia-o agora, não era fácil. Zacarias tinha de tomar decisões, mas não era simples. Estava toldado pela raiva e, a cada segundo, menos conseguia ver além. Era essencial manter o foco, afinal, só assim conseguiria resolver este impasse de forma objetiva e assertiva.
Mas como havia chegado aqui, a este estado de impaciência, logo ele, que sempre fora tão ponderado?
Talvez seja melhor recuarmos um pouco no tempo e, já agora, no espaço também... quem sabe a relatividade nos ajude a sair do calor da ação e a ver com maior lucidez a realidade dos factos.
Há meia dezena de anos, Zacarias chegara à posição que ocupava hoje, era respeitado por todos, quando falava parecia que todos paravam para o ouvir e a promoção acabou por surgir naturalmente, como o corolário de um percurso profissional, e pessoal, inatacável e exemplar.
Zacarias era um homem pragmático e objetivo, mas a sua forma tão suave e politicamente correta de gerir as relações com os outros, nem sempre lhe facilitavam a vida, sobretudo, nas novas funções que abraçara.
Não era fácil ser ele, mas todos, ainda que sem algum dia terem calçado as suas sandálias, desejavam ser como ele. Desde cedo, nas novas funções, Zacarias percebera que algo não estava bem, sobretudo, no comportamento dos seus pares, que se vergavam a interesses pessoais e outros de índole duvidosa. E a verdade é que o tempo, volvida meia década, acabou por provar que, infelizmente, sempre tivera razão.
Ao longo do tempo tentara, sem sucesso alertar aqueles que o haviam escolhido, que tanto confiavam nele pela lealdade que o caraterizava, mas não fora ouvido – existiram momentos, no último ano em que se sentira uma espécie de velho do Restelo, um arauto da desgraça que ninguém ouvia e que, por vezes, ainda era alvo de chacota.
Mas o tempo, no seu inexorável curso, fizera cair as máscaras e Zacarias via agora tudo, sem névoas no horizonte, reconhecendo que o seu instinto, uma espécie de sexto sentido, sempre estivera certo.
Era, por isso, necessário agir, expulsar do templo os vendilhões, pois só assim seria possível a salvação. Mas, para isso, poderia de ter de assumir as rédeas dos acontecimentos e fazer o que nunca fora feito antes – estaria à altura? No seu íntimo sabia que sim, mas teria de fazer tudo diferente para que todos se salvassem. Sim, não era fácil, mas estava tudo nas suas mãos e Zacarias sabia o que tinha a fazer.